Vida em Verso e Prosa

Tenho escrito muitas coisas, algumas impublicáveis. Estas, são as mais interessantes.

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30 outubro 2013

TRANSPORTES E DESLOCAMENTOS

Uma das dificuldades de quem está viajando é a locomoção. Isso ocorre não só pela dificuldade com o idioma, mas também pela peculiaridade de cada lugar, às vezes bem diferente do que está acostumado o viajante. Dessas experiências se pode narrar histórias bem interessantes.


Assim aconteceu com Angélica, minha médica acupunturista, num passeio pela China, onde seu grupo queria praticar montanhismo. Para isso é necessário, às vezes, se afastar dos locais turísticos e buscar caminhos menos convencionais.  Os letreiros lá são no alfabeto chinês, com aqueles ideogramas quase incompreensíveis para ocidentais, mesmo que estejam estudando o mandarim, como a Angélica. Os transportes param em qualquer lugar, não apenas em pontos específicos. Por isso era preciso tomar cuidado para não levantar o braço na hora de ler os ideogramas, pois os motoristas poderiam interpretar como sinal para parar. O grupo de Angélica tomou uma van para ir até uma montanha que pretendiam escalar. Era um veículo para oito pessoas, mas o motorista parecia não aceitar essa limitação de espaço. Foi parando e parando, até que já havia doze pessoas no veículo. Estava tão lotada a van que as pessoas não podiam nem se mexer lá dentro. O pior foi que, mesmo com todas as janelas fechadas, vinha um ventinho nos pés, que fez com que os viajantes temessem que o assoalho viesse a cair, tão deplorável que era o estado do veículo. Felizmente foi só impressão. Escalaram a montanha e trouxeram muitas histórias para contar.



Minha irmã Simone e meu cunhado Francisco tiveram uma experiência ruim com um taxista em Buenos Aires. O Chico tentou puxar conversa, utilizando seu bom e velho portunhol, ao que o mal humorado chofer hostilizou, dizendo que falasse em Português mesmo, desvalorizando o esforço do viajante para tentar falar o seu idioma. Nesse mesmo táxi, estava um dia quente e o Chico abriu a janela. Nova bronca, pois não era permitido abrir os vidros do carro. – Ligue o ar condicionado, por favor, pois está calor aqui dentro. – disse o meu cunhado, já aborrecido. – Se sente calor, tire o casaco. – respondeu o taxista, que é lembrado pelo casal como o "casca grossa" de Buenos Aires. Felizmente não conseguiu tirar-lhes o bom humor nem o gosto pela Capital portenha, da qual gostaram muito.



Mas a história mais engraçada aconteceu com minha filha Nadine que, num grupo de oito pessoas, foi passar o Ano Novo no Chile. No dia 1º foram à rodoviária, pois pretendiam visitar Valparaíso e Viña del Mar, no litoral. Foram informados, então, que não havia possibilidade de retornar no mesmo dia. Natural que o grupo de estudantes, com o orçamento apertado, não poderia bancar mais uma noite de hotel. Teria sido mais barato contratar uma van para levá-los e trazê-los no mesmo dia. Fora de cogitação, concluíram ao consultar os bolsos e as bolsas. Resolveram, então, conhecer o Cassino de Montisello, em San Francisco de Mostazal, cidade bem mais próxima de Santiago que aquelas que inicialmente pretendiam visitar. Compraram os bilhetes e entraram no ônibus, pedindo ao motorista para avisar quando chegassem ao cassino. No ônibus relaxaram e o cansaço dos dois dias de viagem veio à tona. Haviam saído de Curitiba no dia 30, passando a noite no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, para tomar o avião para Santiago. No dia 31 chegaram e logo foram para os festejos de Ano Novo. Assim, como era de se esperar, só acordaram quando o motorista parou o ônibus e os avisou que haviam chegado ao destino. Olharam pela janela e só viram deserto, como naqueles filmes em que se vê cactos e aquelas bolas de feno sendo empurradas pelo vento. Nenhuma construção, viva alma não se via. – Onde está o cassino? – perguntou um deles. – Cassino? Vocês queriam descer no cassino? Ficou pra trás faz tempo. – respondeu o motorista. – Não vamos ficar aqui, no meio do nada. – E seguiram viagem no ônibus até a rodoviária de Rancagua, ponto final do trajeto. Lá, o honesto motorista assumiu a culpa perante a gerente e a empresa pagou dois táxis para levar o grupo de dorminhocos ao cassino. Depois de algumas horas de diversão, foram ao ponto para tomar o ônibus de volta a Santiago. Puxaram conversa com umas pessoas que também esperavam, para ter certeza de que não iriam parar no local errado de novo. – Não tem erro, basta entregar o bilhete ao motorista e podem ir dormindo até o ponto final. – Bilhete? E onde podemos comprar os bilhetes? – Em Santiago. Vocês não compraram ida e volta? – Não haviam comprado. Com muito custo e choradeira conseguiram convencer o outro motorista a permitir que viajassem em pé, os oito incautos estudantes. Chegaram finalmente à Capital e o metrô já havia encerrado o expediente. Teriam mesmo que tomar dois táxis para chegar ao hotel. Antes de fechar a porta do veículo, um menino veio correndo e falou com eles em Inglês, pois não dominavam o Castellano: – Esse táxi é pirata, não tem taxímetro. Desçam ou serão roubados. – O motorista do outro táxi, ao ver os passageiros descendo, saiu em disparada, temendo perder a corrida. Conclusão: o grupo que foi com o táxi clandestino gastou 120 dólares, enquanto o outro apenas 20. Depois de tanta confusão perceberam que estavam com fome. Pediram uma pizza por telefone e comeram no hotel mesmo, para não correr o risco de mais um deslocamento desastroso. Com certeza essa turma jamais esquecerá o Ano Novo em Santiago do Chile.
Jocelino Freitas

26 outubro 2013

Invencíveis



Bravos guerreiros
De augusto porvir
Lutam esgueiros
Sem nunca cair.

Rescaldo


Curiosa constatação: depurando os processos sobra muito pouco. A sombra do que foi assombra a realidade do que restou.

Estou muito ocupado, eu diria, mas essa suposta ocupação só vela a realidade de que quase nada tenho ainda para fazer.

Melhor despertar e procurar na limpeza remover os detritos, limpar a poeira, lustrar os metais e organizar os móveis.

 Só assim a casa estará limpa, pronta para novos ocupantes. É uma casa antiga, eu sei, mas muito espaçosa e acolhedora.

Em breve o vigor e a alegria estarão de volta. Logo, logo, haverá crianças brincando e pássaros cantando no jardim, como outrora.

E seremos felizes outra vez, como se tudo o que aconteceu não passasse de um pesadelo, desses que a gente acorda assustado.

E todos lembrarão como é bom, viverão a nostalgia de um reencontro inusitado com o inesperado. Reencontrarão a si mesmos.

Ousadia



Acumulei na vida dores, favores e amores,
Tenho uma coleção de vitórias e derrotas a me apresentar,
Uma horda de gente que ama, outra que me odeia,
Uma série de feitos dos quais me orgulho, outra a me envergonhar.

Ninguém sai da vida incólume, disse o mestre.
Numa batalha, até os vencedores saem feridos.
E eu, atrevido, não poderia esperar diferente desfecho.
Viver é perigoso, e eu vivi.
Crescer é perigoso e eu cresci.

Paguei com sangue e suor o preço por sonhar.
Paguei com lágrimas o preço por amar.
Paguei com vida o preço por ousar.
E eu ousei viver.

Tempo



Desde que nascemos um relógio nos
 
espreita; e, ainda que tentemos
 
disfarçar, denuncia cada segundo de
 
nossas vidas.

Por que não conseguimos ofender Deus?


Um dia Deus olhou para seu filho e disse:

- Você vai para a Terra.

O filho não gostou nada da ideia, questionando o pai.

- Por que tenho que ir para a Terra? Lá as pessoas são limitadas.

- Você vai para a Terra.

- Não creio que a passagem pela Terra vá me acrescentar alguma coisa.

- A vida lá dura muito pouco tempo para que se possa aprender algo
verdadeiramente eterno.

- Você vai para a Terra.

- Você dota as pessoas do livre arbítrio, mas não avisa a elas que o lugar de onde vieram é infinitas vezes melhor do que lá. Eu não gostaria de ir.

 - Você vai para a Terra.

- Respeitarei a tua vontade, meu Pai, porém quero entender a razão pela qual eu deverei sentir dores, enfrentar doenças, conviver com as moléstias de um corpo cansado e doente. Positivamente, eu não quero ir.

- Você vai para a Terra.

- Na Terra as pessoas mentem, roubam, matam. Sem orientação, chegam mesmo a duvidar de tua existência. Grandes líderes são homens sem nenhuma fé. Traidores, assassinos e desonestos estão entre as pessoas mais ricas e influentes. Definitivamente, eu não quero ir.

E o filho veio para a Terra, como filho obediente que era. Entretanto, o seu espírito rebelde revelou-se muito cedo e ele, embora não tivesse consciência de seu estado anterior, passou a desafiar Deus em todos os seus atos. Desde criança demonstrou requintes de crueldade para com seus semelhantes. Não tardou a tirar a vida de alguém, a consumir e traficar drogas, a vender armas. Foi um dos homens mais violentos do seu tempo, todos os temiam.

Todas as suas ofensas não foram suficientes para afastar o amor de Deus por si, porque o Pai sabia que o privara do paraíso quando o enviou para este mundo.

Talvez esteja aí a explicação para a graça divina. Deus sabe que poderia nos proporcionar muito mais do que esta vidinha chinfrim que temos. Assim, nenhuma dívida que possamos contrair aqui é maior do que a que Ele tem para conosco. Ele sabe que poderia nos proporcionar muito mais do que temos, que nossa vida neste mundo é completamente desprezível se comparada com a que temos no céu.

Nenhuma ofensa é suficiente para ofender Deus. Por mais que as igrejas insistam em vender a ideia de que Deus se aborrece com nossos erros, a verdade é esta: Você não tem capacidade para ofender Deus.

50 anos


Hoje acordei com 50 anos. É incrível, mas esse dia chegou. Não se pode rejuvenescer. Meio século de experiência, melhor dizer meio século de existência. Muitos sonhos, tantos projetos, erros e acertos, tudo pesa nesse balanço.

Pesa principalmente a plenitude de uma vida: meu melhor amigo morreu com cinquenta anos e viveu tudo que se pode viver, com muita intensidade. Em cinquenta anos se pode ser e fazer tudo o que se imagina. Não se tem mais a desculpa de que você é jovem, exceto para morrer.

Então a idade é de ajuste, de reflexão e planejamento. É tempo de deixar de lado o que pesa e seguir somente com o que é possível carregar. É o momento de largar sonhos frustrados, de arrumar o armário da vida, deixando ali somente o que você pretende usar.

É hora de perdoar e, principalmente, se perdoar. Muitos bloqueios nos impedem de seguir adiante, fatos sobre os quais nada mais podemos fazer. A vida segue e você não pode ficar preso a amarras invisíveis. Sucessos e fracassos fazem parte do jogo, libertar-se é a palavra de ordem. Fé, esperança e caridade são os elementos norteadores desta fase de minha vida.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 08/03/2013
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Vida


A vida é breve e você deve viver
Antes do anoitecer.
Você deve viver antes de esmorecer,
E se esquecer.

Urge viver, fazer da vida o que quiser,
E seja homem, seja mulher,
Fazer dos sonhos realidade,
Viver bastante, sentir saudade.

Que neste ano você NÃO ajude


Que neste ano você NÃO ajude:
A restaurar a ponte Hercilio Luz;
O seu time a ganhar o campeonato;
O Brasil a ganhar a Copa das Confederações;
O Criança Esperança, Teleton ou qualquer outra campanha que utilize televisão e artistas muito bem remunerados para pedir a sua contribuição;
O Juca Chaves a comprar caviar;
O Roberto Carlos a vender mais um disco;
O Ronaldo Nazário a perder mais um quilo;
A eleger o melhor Brother, fazendeiro, The Voice, Miss Brasil, Miss Mundo, Garota do Fantástico, Menina Fantástica.
Campanhas em que seu papel seja somente pegar o telefone, chamar um número e ouvir uma gravação.

Que neste ano você viva mais a sua vida e gaste seu tempo com sua família e aqueles que lhe são realmente importantes.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 01/01/2013
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A que te dedicas?



A pergunta é usada em espanhol para inquirir a profissão ou o ofício de alguém, o que faz para ganhar a vida. As palavras, contudo, podem muito bem ser interpretadas literalmente em português com sentido absolutamente diverso. A que te dedicas, ou, a que você se decida...

Onde estiver a sua atenção, aí estará o seu coração. Onde estiver o seu coração, aí estará o seu tesouro. Muita gente se dedica a coisas que não têm nada a ver com o trabalho ou meio de sustento. Pessoas se dedicam a estudar, a fazer filantropia, a assistir televisão, qualquer coisa. Mães se dedicam aos filhos, apaixonados se dedicam ao ser amado. Artistas se dedicam a suas artes, sem preocupação inicial com o valor que tais obras vão render a seus bolsos. Viciados se dedicam a satisfazer seus vícios.

A que te dedicas, pergunto eu, onde está o teu tesouro? Quem ou o que merece a tua dedicação?

Perdão

Perdão...
Perdão pelo que pensei.
Perdão...
Pelo pelo que não falei.
Perdão...
Peço perdão, te desejei.

(Jacques Chatteau)

Cepramim - contnuação


Há muito tempo escrevi um poema assim::


Cepramim

É uma coisa estranha
Não sei dizer o que é.
Mexe com minhas entranhas
Desde a cabeça até o pé.


Fígado, baço, bexiga ou rim,
Não sei mais o que eu faço.
Procurei por um médico,
Que recomendou 'Cepramim'.


Tentei outras coisas,
Chá de camomila, alecrim,
Mas esta dor nas costas
Só tem cura com o 'Cepramim'.


Fui num curandeiro,
Experimentei macumba,
Homeopatia, terreiro,
Hipnose, benzedeira.


Não teve outro jeito
Esta dor no peito.
Remédio pro meu defeito
Só mesmo o Cepramim.

Agora escrevi a continuação:

Cepramim não tem
contraindicação.
Faz bem pra pele,
pro sangue e pro coração.

Tentei outros remédios,
mas não tem melhor não.

Cepramim é o remédio
que me tira da depressão,
que cura a febre,
a ansiedade e a pressão.

Se você não entendeu eu lhe digo,
escute um conselho de amigo.
Cepramim é o remédio
que quer dizer:
você sempre comigo.

Políticos de Proveta

O esforço do homem para imitar os feitos de Deus já aumentou a expectativa de vida em muitos anos. Hoje se vive, em média, quase o dobro do que se vivia no final do século XIX. O homem já consegue criar novos animais, novas espécies, e agora domina o código genético. Em breve se poderá encomendar bebês imunes a doenças hereditárias, com (ou sem) esta ou aquela característica de seus ancestrais.

Porém, me questiono: quando é que a humanidade conseguirá extirpar os vícios de caráter. Quando é que seremos capazes de criar pessoas imunes ao "mau-caratismo"? Quando surgirão políticos comprometidos com o povo que os elege e não com os interesses que patrocinam as suas campanhas?

22 outubro 2013

29/10/2013 – 19H00 – PALACETE DOS LEÕES
VI TERTÚLIA LITERÁRIA 
INSTITUTO MEMÓRIA

O Instituto Memória Editora & Projetos Culturais, a ACP – Associação Comercial do Paraná e o BRDE – Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo-Sul convidam para mais um evento cultural que visa dar vez e voz à cultura paranaense. 

Durante o evento serão sorteadas inúmeros prêmios.

Divulgue! Prestigie! Apoie! Compareça!


Anthony Leahy – Editor

Conselheiro da Academia Brasileira de Arte, Cultura e História - SP
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e da Academia de Cultura de Curitiba



20 outubro 2013

Lacunas

Jamais esquecerei a primeira vez que (___).  Foi (___), eu pensei que (___). Depois disso, nunca mais (___).

Jamais esquecerei a primeira vez que me perdi. Foi horrível, eu pensei que havia sido abandonado. Depois disso, nunca mais saí de perto de meus pais.

Jamais esquecerei a primeira vez que vi neve.  Foi engraçado, eu pensei que alguém tivesse deixado aberta a porta da geladeira do céu. Depois disso, nunca mais nevou em Curitiba.

Jamais esquecerei a primeira vez que te vi.  Foi incrível, eu pensei que te conhecia desde sempre. Depois disso, nunca mais me afastei de ti.

Jamais esquecerei a primeira vez que fui à escola.  Foi mágico, eu pensei que a professora fosse uma fada. Depois disso, nunca mais parei de estudar.

Jamais esquecerei a primeira vez que ocorreu um eclipse.  Foi assustador, eu pensei que o mundo fosse acabar. Depois disso, nunca mais saí de casa sem uma lanterna.



O Obelisco


O obelisco

Numa praça de Bucareste existe um obelisco de mármore branco que trespassa uma coroa de vime preto. Do encontro entre branco e preto a representação vermelha de sangue escorre. Ao lado, uma parede em forma de muro em semicírculo com milhares de nomes.

Tentamos perguntar a um transeunte, mas ele não soube dizer o que significavam os nomes, nem qual sua relação com o monumento.

À noite, durante o jantar, fui colocado ao lado de um romeno chamado Sergiu (com u mesmo), uma pessoa muito culta, de conversa agradável. Resolvi, então, perguntar a ele sobre o monumento e seu significado.

– Em frente ao obelisco existe um palácio, no qual ficava o ditador Nicolae Ceausescu. Um dia, no final de 1989, a população ocupou a praça, num protesto contra a situação que vivíamos, pedindo mais liberdade. A polícia tentou esvaziar a praça, mas o povo não se retirava. Então o presidente deu ordem para que se abrisse fogo. Os soldados começaram a atirar, mesmo assim o povo não se movia. Era melhor morrer que continuar naquela situação. Na medida em que as pessoas foram caindo e o sangue escorrendo pelo chão, uma metamorfose se operou. Aqueles soldados também eram povo e haviam sido treinados para proteger as pessoas que estavam matando. É provável que tenham reconhecido alguns rostos na multidão como seus parentes e amigos. O fato é que, de repente, os soldados se viraram para o palácio e passaram a proteger o povo.  Esse mesmo sentimento foi contagiando os demais soldados, até que só restou a guarda do gabinete presidencial a proteger o ditador. Naquele dia ele foi derrubado e logo depois condenado à morte. Aquele obelisco foi construído para homenagear os mortos, cujos nomes estão gravados no muro.

– Você deve ter perdido amigos nesse dia, não?

– Até hoje eu escuto o zunido das balas em meus ouvidos. Eu estava lá e só não morri por mero acaso, pois vários amigos tombaram ao meu lado. Acho que todos nós morremos um pouco naquele dia.


Sertão


A maior aventura de minha vida, que foi a viagem no colo de minha mãe, vindo do Ceará para Curitiba, começou muito antes de eu nascer. Na época das secas, meus pais deixaram o Ceará e foram tentar a vida em São Paulo. Levaram os dois filhos sobreviventes, José Edilson e Aélio, pois a menina, Evanice, não havia suportado os rigores da vida no sertão. Claro que para um casal despreparado as coisas não foram nada fáceis, ainda mais depois que nasceu o Antonio, único paulista da família. As coisas pareciam estar melhorando no Ceará, pelo que relatavam as cartas que recebiam de meu avô. Então meus pais resolveram voltar.

Foi na viagem de volta que quase ocorreu uma tragédia. O trajeto levava quase uma semana num ônibus, tornando muito cansativo o percurso, principalmente com os três meninos pequenos e a gravidez de minha mãe. Meu irmão José Francisco nasceria no Ceará. Para a travessia do rio São Francisco não havia ponte, era necessário embarcar o ônibus numa balsa. Minha mãe se lembra até hoje do barulho dos motores e das águas batendo no ferry boat, deixando nos passageiros o medo de que houvesse um naufrágio.

Durante a travessia meu pai desceu com os dois meninos maiores, deixando o pequeno Antonio com minha mãe no interior do ônibus. Naquele tempo não era obrigatório que todos os passageiros desembarcassem. Foi um erro imaginar que o caçula, que não parava, fosse ficar quieto. Isso foi o que minha mãe me disse quando pedi que me contasse outra vez a história. Meu pai também pensou nisso quando olhou para trás e viu o seu filho trepado na grade de proteção, a poucos segundos de cair. Correu desesperado, mas o filho já estava desequilibrado. Meu pai conseguiu segurá-lo pelo pé no último instante, evitando a tragédia. Alguns segundos a mais ou um movimento falho no golpe de mão de meu pai teriam deixado nas águas o meu irmão que hoje tem cinco filhos e quatro netos. Nem imagino nossa vida hoje sem a existência deles.

Talvez se minha irmã mais velha tivesse sobrevivido tivéssemos mais um ramo da família, com filhos e netos que perderam a oportunidade de existir. O velho Francisco, antes de morrer, me disse que sonhou com a Evanice. Ela apareceu como uma meninota e sorriu para ele. Quando perguntou se era mesmo a Evanice, a menina desapareceu. Parece que a filha veio visitar o pai, mais de cinquenta anos depois, talvez para preparar-lhe o caminho. Ele se foi em outubro, deixando muita saudade.

Mas eu não gostaria de encerrar esta crônica de viagem de modo melancólico. Por isso quero contar um incidente muito engraçado que ocorreu muitos anos depois, quando meu irmão Aélio voltou para rever o local em que nascemos. Ele se hospedou na cidade e, durante o dia, com um carro alugado, ia para o sítio encontrar meus pais, que se hospedavam nas casas dos parentes que visitavam. Assim, a experiência no sertão era apenas diurna, sendo a noite preenchida com algum conforto no hotel de Acopiara. O problema surgiu quando as necessidades fisiológicas de meu irmão falaram mais alto. Estavam numa casa onde não havia banheiro.

– Pai, precisando ir ao banheiro.
– Aqui não tem banheiro, filho. Faz ali atrás daqueles arbustos.
– Como faço com o papel higiênico?
– Tem que se limpar com uns sabugos, aqui não tem papel.


Constrangido, mas sem opção, meu irmão foi para trás da moita, enquanto meu pai vigiava para que ninguém o surpreendesse, embora fosse comum por lá defecar dessa maneira primitiva. Ninguém estranhava se encontrasse alguém agachado, era uma situação normal. Porém, depois de feito o “serviço”, enquanto tentava se limpar com os sabugos, um porquinho se aproximou do Aélio, atraído pelo cheiro das fezes. Logo outro, outro e outro, iam chegando todos os suínos para disputar os excrementos, para eles um delicioso manjar. Meu irmão saiu correndo, assustado, com as calças arriadas, provocando a gargalhada de todos, que vieram ver o que era aquela gritaria. Naquele dia tiveram que voltar mais cedo para o hotel, para que o assustado viajante pudesse encontrar um banheiro decente e trocar de roupa.