Vida em Verso e Prosa

Tenho escrito muitas coisas, algumas impublicáveis. Estas, são as mais interessantes.

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07 julho 2008

Livro de Graça!

Todo escritor tem, dentro das profundezas de sua alma, o desejo de ser lido. Por outro lado, há um medo enorme de mostrar-se tão nu e alguém perceber que, por detrás das palavras que ele sabe engendrar tão bem, há um ser humano tão cru e tão tosco.

Mas o escritor é artista! Vê quadros serem vendidos por milhares de moedas fortes, americanas e européias, freqüentando as paredes íntimas das mais poderosas famílias do mundo, assim como Shakespeare e Camões repousam ainda vivos nas mais sóbrias bibliotecas. Olhando em volta, o escritor percebe Saramago e García Márquez, vivendo o agora, vizinho, e sabe que sente a mesma coisa que sentem esses artistas que triunfaram e obtiveram sucesso universal; só o que falta é ter o seu reconhecimento, pois sabe esse escritor, bem no fundo de si mesmo, que é muito bom.

Entristecido, lembra-se de Van Gogh ou Lautréamont, e de centenas de outros artistas que nada ganharam em vida, alguns viveram em completa miséria, mas anos, às vezes séculos, mais tarde, foram (re)descobertos e transformaram-se em seres eternos. “Há, então e ainda, uma esperança”, pensa o artista. E segue sua jornada, imaginando que, se não está sendo lido hoje, mais tarde a humanidade perceberá o quanto ele foi importante. Esse escritor só esquece que há milhões de outros artistas que viveram na miséria, que nunca foram “descobertos” e que serão eternamente esquecidos pelo tempo e pelo andar da carruagem da vida.

O eterno descontentamento financeiro do escritor pode ser visto, por exemplo, em José de Alencar que, há 135 anos, escreveu:

“Em 1862 escrevi Lucíola, que editei por minha conta (…)

Para publicar Iracema em 1869, fui obrigado a editá-lo por minha conta; e não andei mal inspirado, pois antes de dois anos a edição [de mil exemplares] extinguiu-se. (…)

Deixe arrotarem os poetas mendicantes. O Magnus Apollo da poesia moderna, o deus da inspiração e pai das musas deste século, é essa entidade que se chama editor e o seu Parnaso uma livraria. Se outrora houve Homeros, Sófocles, Virgílios, Horácios e Dantes, sem tipografia nem impressor, é porque então escrevia-se nessa página imortal que se chama a tradição. O poeta cantava; e seus carmes se iam gravando no coração do povo.

Todavia ainda para o que teve a fortuna de obter um editor, o bom livro é no Brasil e por muito tempo será para seu autor, um desastre financeiro. O cabedal de inteligência e trabalho que nele se emprega, daria, em qualquer outra aplicação, lucro cêntuplo.

Mas muita gente acredita que eu me estou cevando em ouro, produto de minhas obras. E, ninguém ousaria acreditá-lo, imputaram-me isso a crime, alguma cousa como sórdida cobiça.

Que país é este onde forja-se uma falsidade, e para quê? Para tornar odiosa e desprezível a riqueza honestamente ganha pelo mais nobre trabalho, o da inteligência!”

(ALENCAR, José de. Como e por que sou romancista)

O homem sempre escreveu, pintou, cantou, compôs, porque todos sabemos serem manifestações do espírito, acontecimentos inerentes à natureza humana. Essas manifestações acabam por tocar outras pessoas de tal forma que surge o desejo de repetir essas experiências para que se sinta novamente uma espécie de “prazer”. A partir do momento em que a possibilidade de reprodução da arte tornou-se realidade – transformando a tradição oral em objetos-livro, por exemplo –, esses objetos transformaram-se em um produto como batatas ou utensílios em geral. Dessa forma, passou-se a comercializar a manifestação da alma.

Os artistas vislumbraram, então, a possibilidade de que sua produção pudesse servir como meio de sobrevivência. Os produtores de arte multiplicaram-se e, hoje, há muita dificuldade em definir o que é realmente arte, em seu sentido ancestral de manifestação da alma humana. Isso porque quem vendia mais era o melhor artista, pela lógica (do mercado). A produção cultural perseguiu o público comprador, e as arestas da criação foram aparadas para agradar a quem poderia dar o sustento.

E hoje, o que se quer?

Os escritores reclamam reconhecimento e acham injusto que um Paulo Coelho, por exemplo, receba milhões de moedas de todos os lados, graças a suas “historinhas ridículas”, enquanto o Escritor que se derrama sobre o papel manchando-o, com lágrimas ou com a merda de sua alma mesquinha, fique a mendigar a editoras pouco conhecidas um pingo de reconhecimento pelo sangue derramado.

O mercado é quem dá as cartas. E me parece que não queremos enxergar. Ou acreditamos que um dia o Estado vai nos financiar porque temos um projeto interessantíssimo e que valerá a pena o investimento. Para que se investe em arte senão para ganhar algo? E quem ganha com um livro pelo qual ninguém se interessa ou por um filme que ninguém quer ver?

“É preciso dar chance aos novos”, dizem os entendidos do assunto. Para quê? Eu pergunto. “O escritor vai ser lido e pode ter a chance de ganhar uma publicação de uma Grande Editora!” Claro: as editoras estão aí ávidas pelo aparecimento de novos Paulos Coelhos que rendem muito. Lêem o seu livro e pensam: “isso pode entrar no mercado? Se a gente fizer uma capa bonita e uma boa propaganda dá até pra enganar o leitor” – que, por sua vez, ficará revoltadíssimo por acreditar ter adquirido auto-ajuda e ter levado, na realidade, um livro repleto de profundas reflexões das quais ele foge porque não tem o mínimo interesse em pensar.

“Mas e o público que pensa? Não existe?” Existe, é claro. Mas é diferente. Quem vai ao cinema assistir a “Missão impossível”, por exemplo, é o mesmo que vai querer o celular de última geração, que vai se apaixonar pelo carro que faz de zero a cem em um segundo, que vai querer o Ipod e o que não pode. Mas quem vai assistir ao “Cheiro do ralo”, por exemplo, é o mesmo para quem se pode vender o quê? Bom-Ar?!

O que quero dizer é que não adianta chorar o sangue derramado. Nós, escritores, continuaremos a derramá-lo e sabemos bem disso. Bom seria se isso rendesse alguma coisa, mas já entendemos que o Mercado não quer saber de nosso sangue. Só fingimos não enxergar e, como autômatos, continuamos a nos inscrever em concursos literários e a nos dirigir aos Correios a fim de enviar nossos originais ao Grande Editor que nos transformará em ricos e bem pagos… Paulos Coelhos.

Todo escritor quer ser lido. Reproduzamos, então, nossa literatura! Depois de devidamente registrada nossa obra, distribuamos! O registro não se deve ao fato de que alguém pode nos roubar e “ganhar em cima”! É só pelo respeito moral e pela responsabilidade: “essa história e esse estilo é meu! E responsabilizo-me pelo que aí vai!” Isso, sim, é reivindicável. Reivindicação do sangue. Sobreviver disso? Fazer disso o famoso “cavalo de batalha”? Ora, se a maioria de nós tem que ter algum emprego, por que ficar segurando nossa arte? Para quê? A valorização nós teremos em cada leitura! Distribuamos, então!

A campanha será assim: se você é Escritor, entregue seu texto a alguém! Junte um dinheiro com seu salário e publique seu livro na gráfica da esquina, do jeito que você quiser, com a capa que você quiser! Separe os que dará aos amigos e colegas, pegue o que sobrou e divida o total de gastos. Estenda uma toalha na feira e venda pelos cinco ou dez reais que custou na gráfica, só para recuperar os custos e poder publicar o próximo!

Aí, sim, teremos o nosso valor e, quem sabe até, nosso público cativo: aqueles 17 leitores que nunca nos viram, mas que se apaixonaram pela nossa literatura. Quem não gostar, simplesmente não vai querer mais e você não precisará ficar se perguntando sobre se o que está fazendo está agradando ao Mercado. Agrada a você e você oferece!

Para aqueles que querem ler gratuitamente, dê o endereço do site onde poderão ler na tela, baixar em Word, em PDF, imprimir em casa, seja lá como for. Com isso, estaremos extinguindo a pirataria, já que não haverá o que burlar. Quem quiser a capa bonitinha terá que encontrar você na feira ou no bar e gastar o que a gráfica cobra para fazer. E só!

O seu dinheiro? Você já não tem seu emprego? Então?! Qual é a dúvida, meu caro Escritor? Você quer ser lido, ou quer ser famoso e ganhar dinheiro? Então é melhor tentar outra coisa: Big Brother, que tal?

Nós escritores não escrevemos porque queremos… E, desde o início da reprodução tipográfica, quando foi possível ganhar alguns níqueis com essa arte, começamos a pensar em como agradar o maior número de pessoas e não mais a tentar mostrar à humanidade o que enxergamos nas profundezas desse oceano que é a vida humana sobre a Terra.

Precisamos entender que nós temos o Dom.

Distribuamos, então nosso "Livro de Graça"!
Wallace Fauth
Um dos textos mais lúcidos que já li. Parabéns, Wallace Fauth! - Jocelino.