Vida em Verso e Prosa

Tenho escrito muitas coisas, algumas impublicáveis. Estas, são as mais interessantes.

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Local: Curitiba, PR, Brazil

20 outubro 2013

Sertão


A maior aventura de minha vida, que foi a viagem no colo de minha mãe, vindo do Ceará para Curitiba, começou muito antes de eu nascer. Na época das secas, meus pais deixaram o Ceará e foram tentar a vida em São Paulo. Levaram os dois filhos sobreviventes, José Edilson e Aélio, pois a menina, Evanice, não havia suportado os rigores da vida no sertão. Claro que para um casal despreparado as coisas não foram nada fáceis, ainda mais depois que nasceu o Antonio, único paulista da família. As coisas pareciam estar melhorando no Ceará, pelo que relatavam as cartas que recebiam de meu avô. Então meus pais resolveram voltar.

Foi na viagem de volta que quase ocorreu uma tragédia. O trajeto levava quase uma semana num ônibus, tornando muito cansativo o percurso, principalmente com os três meninos pequenos e a gravidez de minha mãe. Meu irmão José Francisco nasceria no Ceará. Para a travessia do rio São Francisco não havia ponte, era necessário embarcar o ônibus numa balsa. Minha mãe se lembra até hoje do barulho dos motores e das águas batendo no ferry boat, deixando nos passageiros o medo de que houvesse um naufrágio.

Durante a travessia meu pai desceu com os dois meninos maiores, deixando o pequeno Antonio com minha mãe no interior do ônibus. Naquele tempo não era obrigatório que todos os passageiros desembarcassem. Foi um erro imaginar que o caçula, que não parava, fosse ficar quieto. Isso foi o que minha mãe me disse quando pedi que me contasse outra vez a história. Meu pai também pensou nisso quando olhou para trás e viu o seu filho trepado na grade de proteção, a poucos segundos de cair. Correu desesperado, mas o filho já estava desequilibrado. Meu pai conseguiu segurá-lo pelo pé no último instante, evitando a tragédia. Alguns segundos a mais ou um movimento falho no golpe de mão de meu pai teriam deixado nas águas o meu irmão que hoje tem cinco filhos e quatro netos. Nem imagino nossa vida hoje sem a existência deles.

Talvez se minha irmã mais velha tivesse sobrevivido tivéssemos mais um ramo da família, com filhos e netos que perderam a oportunidade de existir. O velho Francisco, antes de morrer, me disse que sonhou com a Evanice. Ela apareceu como uma meninota e sorriu para ele. Quando perguntou se era mesmo a Evanice, a menina desapareceu. Parece que a filha veio visitar o pai, mais de cinquenta anos depois, talvez para preparar-lhe o caminho. Ele se foi em outubro, deixando muita saudade.

Mas eu não gostaria de encerrar esta crônica de viagem de modo melancólico. Por isso quero contar um incidente muito engraçado que ocorreu muitos anos depois, quando meu irmão Aélio voltou para rever o local em que nascemos. Ele se hospedou na cidade e, durante o dia, com um carro alugado, ia para o sítio encontrar meus pais, que se hospedavam nas casas dos parentes que visitavam. Assim, a experiência no sertão era apenas diurna, sendo a noite preenchida com algum conforto no hotel de Acopiara. O problema surgiu quando as necessidades fisiológicas de meu irmão falaram mais alto. Estavam numa casa onde não havia banheiro.

– Pai, precisando ir ao banheiro.
– Aqui não tem banheiro, filho. Faz ali atrás daqueles arbustos.
– Como faço com o papel higiênico?
– Tem que se limpar com uns sabugos, aqui não tem papel.


Constrangido, mas sem opção, meu irmão foi para trás da moita, enquanto meu pai vigiava para que ninguém o surpreendesse, embora fosse comum por lá defecar dessa maneira primitiva. Ninguém estranhava se encontrasse alguém agachado, era uma situação normal. Porém, depois de feito o “serviço”, enquanto tentava se limpar com os sabugos, um porquinho se aproximou do Aélio, atraído pelo cheiro das fezes. Logo outro, outro e outro, iam chegando todos os suínos para disputar os excrementos, para eles um delicioso manjar. Meu irmão saiu correndo, assustado, com as calças arriadas, provocando a gargalhada de todos, que vieram ver o que era aquela gritaria. Naquele dia tiveram que voltar mais cedo para o hotel, para que o assustado viajante pudesse encontrar um banheiro decente e trocar de roupa.