Sertão
A maior
aventura de minha vida, que foi a viagem no colo de minha mãe, vindo do Ceará
para Curitiba, começou muito antes de eu nascer. Na época das secas, meus pais
deixaram o Ceará e foram tentar a vida em São Paulo. Levaram os dois filhos
sobreviventes, José Edilson e Aélio, pois a menina, Evanice, não havia
suportado os rigores da vida no sertão. Claro que para um casal despreparado as
coisas não foram nada fáceis, ainda mais depois que nasceu o Antonio, único
paulista da família. As coisas pareciam estar melhorando no Ceará, pelo que
relatavam as cartas que recebiam de meu avô. Então meus pais resolveram voltar.
Foi na viagem
de volta que quase ocorreu uma tragédia. O trajeto levava quase uma semana num
ônibus, tornando muito cansativo o percurso, principalmente com os três meninos
pequenos e a gravidez de minha mãe. Meu irmão José Francisco nasceria no Ceará.
Para a travessia do rio São Francisco não havia ponte, era necessário embarcar
o ônibus numa balsa. Minha mãe se lembra até hoje do barulho dos motores e das
águas batendo no ferry boat, deixando
nos passageiros o medo de que houvesse um naufrágio.
Durante a
travessia meu pai desceu com os dois meninos maiores, deixando o pequeno
Antonio com minha mãe no interior do ônibus. Naquele tempo não era obrigatório
que todos os passageiros desembarcassem. Foi um erro imaginar que o caçula, que
não parava, fosse ficar quieto. Isso foi o que minha mãe me disse quando pedi
que me contasse outra vez a história. Meu pai também pensou nisso quando olhou para
trás e viu o seu filho trepado na grade de proteção, a poucos segundos de cair.
Correu desesperado, mas o filho já estava desequilibrado. Meu pai conseguiu
segurá-lo pelo pé no último instante, evitando a tragédia. Alguns segundos a
mais ou um movimento falho no golpe de mão de meu pai teriam deixado nas águas
o meu irmão que hoje tem cinco filhos e quatro netos. Nem imagino nossa vida
hoje sem a existência deles.
Talvez se
minha irmã mais velha tivesse sobrevivido tivéssemos mais um ramo da família,
com filhos e netos que perderam a oportunidade de existir. O velho Francisco,
antes de morrer, me disse que sonhou com a Evanice. Ela apareceu como uma
meninota e sorriu para ele. Quando perguntou se era mesmo a Evanice, a menina
desapareceu. Parece que a filha veio visitar o pai, mais de cinquenta anos
depois, talvez para preparar-lhe o caminho. Ele se foi em outubro, deixando
muita saudade.
Mas eu não
gostaria de encerrar esta crônica de viagem de modo melancólico. Por isso quero
contar um incidente muito engraçado que ocorreu muitos anos depois, quando meu
irmão Aélio voltou para rever o local em que nascemos. Ele se hospedou na
cidade e, durante o dia, com um carro alugado, ia para o sítio encontrar meus
pais, que se hospedavam nas casas dos parentes que visitavam. Assim, a
experiência no sertão era apenas diurna, sendo a noite preenchida com algum
conforto no hotel de Acopiara. O problema surgiu quando as necessidades
fisiológicas de meu irmão falaram mais alto. Estavam numa casa onde não havia
banheiro.
– Pai, tô precisando ir ao banheiro.
– Aqui não
tem banheiro, filho. Faz ali atrás daqueles arbustos.
– Como faço
com o papel higiênico?
– Tem que se
limpar com uns sabugos, aqui não tem papel.
Constrangido,
mas sem opção, meu irmão foi para trás da moita, enquanto meu pai vigiava para
que ninguém o surpreendesse, embora fosse comum por lá defecar dessa maneira
primitiva. Ninguém estranhava se encontrasse alguém agachado, era uma situação
normal. Porém, depois de feito o “serviço”, enquanto tentava se limpar com os
sabugos, um porquinho se aproximou do Aélio, atraído pelo cheiro das fezes.
Logo outro, outro e outro, iam chegando todos os suínos para disputar os
excrementos, para eles um delicioso manjar. Meu irmão saiu correndo, assustado,
com as calças arriadas, provocando a gargalhada de todos, que vieram ver o que
era aquela gritaria. Naquele dia tiveram que voltar mais cedo para o hotel,
para que o assustado viajante pudesse encontrar um banheiro decente e trocar de
roupa.
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