Vida em Verso e Prosa

Tenho escrito muitas coisas, algumas impublicáveis. Estas, são as mais interessantes.

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30 julho 2012

Infância Roubada



A vida os recruta, ainda crianças,
Para a injusta batalha do cotidiano.
Pequenos guerreiros, frágeis "sparrings",
Levados a um jogo desumano.

Magros, subnutridos, têm que enfrentar
Os perigos da cidade selvagem.
Em suas mãozinhas, as culpas
Do desgoverno e da malandragem.

Você é um homem, não pode chorar.
Tem dez anos, já pode trabalhar.
Tem peitinho, já é uma moça.
Anda logo, vai a vida enfrentar.

Infância roubada, violentamente
Arrancada, sonhos frustrados.
Crianças aprendendo com a vida,
Maníacos, ladrões e tarados.

Engole essa lágrima, vem logo aprender
A se defender com essa navalha.
Engole essa lágrima, não tem lugar
Para gente mole na nossa batalha.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 02/08/2010
Reeditado em 02/08/2010
Código do texto: T2413725

Psiu


Psiu

Psiu, acorda

É madrugada e você deveria estar dormindo, descansando seu corpo para mais uma jornada.

Mas tem coisas que não podem esperar o sol nascer e, por isso, eu lhe acordei no meio da noite só pra dizer.

Você já sabe que o mundo não para, que tem doença que não sara, que a vida é dura, é cara, que amor sincero é coisa rara.

Mas trago algo aqui no peito, não sei se é virtude ou defeito. Só sei que tenho esse meu jeito de fazer tudo como acho direito.

Por isso eu lhe acordo sorrindo pra dizer que este mundo é lindo, pra dizer que tudo vale a pena se a alma não é pequena.

E se repito Fernando Pessoa é porque esse verso ecoa na mais profunda realidade, que acalma os corações, que move a humanidade.

Viva bem a sua vida, ela não volta atrás. É um caminho só de ida, e o tempo não volta jamais.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 20/08/2010
Reeditado em 20/08/2010
Código do texto: T2448506

A Morte do Poeta



A Morte do Poeta



Era noite quando bateram à porta e perguntaram se ali morava o poeta de nome Gaudêncio.

- Não está - respondeu a mulher. - Saiu ao por-do-sol e ainda não voltou. Deve estar no bar, no clube ou no coreto, certamente errando pela noite, como é do seu feitio, já que a noite é seu momento, agasalho e alimento.

- Mas não é por ele que venho, estou aqui pela senhora.

- O senhor se dê o respeito, sou mulher de um homem só. Se o meu marido não está, o senhor nem devia se aproximar da minha porta.

- Pois a senhora não se avexe, que só lhe ponho os olhos neste momento porque sou obrigado por uma missão que me delegou o destino.

- Pois se tem uma missão, que a cumpra de uma vez, que essa conversa já me põe nervosa e o meu feijão já vai queimar.

- Então eu lhe aconselho o fogo apagar, que hoje a senhora não vai querer jantar.

- O senhor deixe de confiança e diga logo a que veio, antes que esta porta lhe rache a testa ao meio.

- A senhora se acalme e contenha a violência. Sou um homem acostumado aos princípios da decência.

- Meu senhor, fale logo, eu recomendo. Se meu marido o pega, sairá daqui correndo.

- Seu marido nada fará, eu lhe asseguro. (Só agora me dou conta do quanto é duro.)

- Do que fala, homem de Deus? Está assustando a mim e aos filhos meus.

- Estou falando, minha senhora, que seu marido não voltará. Em pouco tempo, só a sua lembrança restará.

Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 18/10/2010
Reeditado em 23/10/2010
Código do texto: T2563693

Sonhos


Sonhos

Sonhei que partias.
Tua partida trazia
tristeza aos meus dias.
Tua ausência suprimia
qualquer sorriso.
Que agonia.

Sonhei que sentias.
Minha distância não
te trazia alegrias.
E sem culpado,
minha inocência
entendias.

Sonhei que voltavas.
Tua saudade já
não ocultavas.
E meus carinhos
então procuravas.

Sonhei que ficavas.
E em meus braços
então encontravas
O grande amor
que longe buscavas.

Sonhei que partias.
Sonhei que sentias.
Sonhei que voltavas.
Sonhei que ficavas.

Sonhei que me amavas...


Obs.: 1)  Esta é uma obra de construção poética, não correspondendo necessariamente a situação real vivida pelo autor ou  alguém conhecido.

2) Poema concebido hoje enquanto assistia a apresentação de um espetáculo de dança e poesia, ´20 Poemas de Neruda´, no Teatro Positivo.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 24/10/2010
Reeditado em 25/10/2010
Código do texto: T2576657

Susto


Susto

Já passava da meia-noite quando o editor Anthony Leahy parou de trabalhar. Sua atividade realmente tomava muito do seu tempo. Atender autores, transformar seus projetos em livros e, ainda, vender, não era tarefa fácil. Melhor teria sido permanecer em seu emprego de diretor numa grande editora, com as regalias que o cargo proporcionava. Mas o sonho falara mais alto e, agora, não podia se queixar de sua opção de vida. Tudo ia bem, mas sua vida de dono de editora pequena exigia muito trabalho.

Esses pensamentos lhe tomavam a mente enquanto descia do carro para fechar o portão. Precisava falar com o senhorio para colocar um motor naquele portão. Em pleno século XXI não se admite um portão que não se abra e feche com controle remoto. É mais que uma questão de conforto, é segurança. Mal pensou isso, sentiu uma mão em seu braço, um homem com roupas escuras o abordava. Seus reflexos de professor de capoeira reagiram instintivamente e o homem foi jogado ao chão sem dizer palavra. Anthony pulou sobre ele e o socou, só então percebendo que era um mendigo, implorando para que parasse. Queria apenas pedir uma moeda e levara uma surra. Era o preço por tocar num desconhecido, distraído, de dois metros de altura.

- Nunca mais me toque – disse o ainda irritado editor. - Se o encontrar passando por esta rua de novo, dou-lhe outra coça. - Não era um homem violento, mas o susto que lhe dera o mendigo fez com que seu sangue subisse à cabeça e a ameaça foi apenas um desabafo de quem ainda estava nervoso.

Muito tempo se passou e o caso já havia sido esquecido. Anthony saía da reunião do Instituto Histórico e Geográfico e conversava empolgadamente com um de seus colegas intelectuais. Eram muito bons aqueles encontros, nos quais podia conversar com os moradores mais antigos da cidade e ouvir histórias muito interessantes, aventuras do tempo em que eram crianças, vivendo numa capital com ar provinciano, bem diferente da metrópole em que se transformou.

Percebeu que alguém o olhava, uma dessas situações em que se sente a perturbação com o canto do olho, como se a presença da pessoa atraísse a sua atenção. Era o mendigo, paralisado, branco como um cadáver que, quando o editor olhou para ele, perguntou com um fio de voz:

- O senhor disse para não passar só naquela rua, ou nesta daqui também?
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 29/10/2010
Reeditado em 29/10/2010
Código do texto: T2586348

Zaqueu


Zaqueu


- Zaqueu, desce daí, você vai cair. Zaqueu, o Senhor está aqui e hoje quer ficar na tua casa.

- Mas como, Senhor, se sou pecador? Se cobro impostos, se tiro dos pobres? Sou pequeno demais, Senhor. Eu subi nesta árvore só pra Te ver, pois só a Tua visão já me satisfaria, e me pedes para entrar em minha casa, fazer refeição? Tens o meu coração, a minha emoção e a promessa de doação de metade do que tenho. De reparação de minhas defraudações. Quatro vezes devolverei a quem defraudei.

- Uma Luz no céu se acendeu, Zaqueu, pois provaste ser filho meu!
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 01/11/2010
Código do texto: T2589788

Acordei assustado


Acordei assustado

Acordei assustado. Os problemas do dia me tiram o sono. Como se eu fosse culpado. Como se eu fosse o dono de cada resultado.

Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 25/11/2010
Reeditado em 25/11/2010
Código do texto: T2635446

Segredos


Segredos

"Um segredo só é realmente secreto se apenas duas pessoas o conhecerem e uma delas estiver morta."

Hoje compreendo a verdade dessa frase, que antes pensava ser uma piada. Sou portador de segredos que, embora mortos os seus protagonistas, morrerão comigo.

Mas como pesam...

Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 25/11/2010
Código do texto: T2635453

Escrever


Escrever

Escrever é imortalizar um pensamento, é deixar registro escrito, estático do eu que amanhã não mais existirá.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 05/12/2010
Código do texto: T2654102

Efeito borboleta


Efeito borboleta



Por que voltar ao passado se no passado não foi feito o que devia ser feito?

Pra que querer outra chance pra fazer o que na hora não fez?

Se pudesse voltar no tempo não seria um novo tempo?

Não seria a certeza de reviver a incerteza?

Ora, não venha com essa de experiência,

Pois não me convence que a própria ciência

Te dá a certeza de não mais errar,

Pois sei que o passado, tal qual o futuro,

É tempo de busca, é tempo de choro,

É tempo de coro, de busca, incerteza

Que nem a proeza de o tempo voltar

Te dá segurança de não mais errar.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 13/12/2010
Código do texto: T2668556

Papel


Papel

De uma mistura da celulose surge o papel. A árvore se desmancha e sua essência é filtrada, tingida e prensada para se transformar numa fina camada de branco, tão frágil quanto útil. Ao longo dos séculos tem sido portador dos pensamentos humanos. Só nas últimas décadas foi substituído por meios virtuais, mas seu uso ainda se prorrogará por muito tempo. Os artistas, principalmente os mais antigos, preservam o valor da tinta sobre o papel como expressão da sua arte.


Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 05/01/2011
Código do texto: T2709950

Noticiário e Falta de Inspiração



Noticiário e Falta de Inspiração

"No Haiti, passado um ano do terremoto, apenas cinco por cento dos escombros foram retirados."

A televisão anunciava a ajuda internacional para dar um pouco de alento ao sofrido povo do pequeno país da América Central. De sua parte, não conseguia encontrar inspiração. Encontraria o editor no dia seguinte e sabia que deveria falar sobre o novo livro. O contrato de dois anos estava se esgotando e a editora tinha motivos para estar preocupada. O primeiro livro fora um sucesso, o que lhe garantira um bom valor inicial pelos direitos autorais e mais uma mesada, por vinte e quatro meses, a fim de que pudesse escrever uma nova obra sem se preocupar com o sustento e até certo luxo.


"No Rio de Janeiro desabou um prédio, matando muitas pessoas. Lá, também, um pedreiro oferecia para venda uma casa que pretendia construir no lugar onde acabara de desabar outra. É seguro, garantiu, lá embaixo a terra é bem firme."

Quando firmou o contrato, pensou em entregar o novo livro em um ano ou menos. Assim poderia receber nova bolada e dobrar o valor da mesada. Isso também garantiria o seu nome na mídia, pois no último ano, apesar do respeito que ainda lhe dedicavam, não fora convidado para muitos programas de rádio ou televisão. Esses eventos, além de render alguns cachês, alavancavam as vendas, agradando a editora e as livrarias.


"Em São Paulo um ladrão roubou os cabos de iluminação de um via pública em plena luz do dia. Nem se importou de ser filmado. Com uma picareta quebrou a mureta que separa os carros da passarela de pedestres, para facilitar a remoção. Ao se retirar do local ainda parou para dizer, do alto de sua ética: Sou ladrão, mas não roubo pai de família; eu roubo cabos."

A criatividade não o ajudou, seus planos não deram certo. O novo livro não surgiu no prazo previsto e, agora, aproximava-se a data-limite para a apresentação da obra. Várias vezes o editor já lhe havia pedido uma sinopse, um release, qualquer coisa que pudesse ser lançada nos meios de comunicação para criar no mercado uma expectativa. Tudo correu muito bem até que as vendas reduzissem naturalmente. Nos primeiros meses o livro projetou o nome da editora e rendeu-lhe muito dinheiro, fazendo compensar o adiantamento e justificando a mesada, gerando lucro em proporção geométrica. Mas dinheiro chama dinheiro. A editora aumentara suas despesas fixas em razão da ampliação dos pedidos e não estava disposta a se retrair agora. Era imperativo que lançasse um novo best-seller.

"As enchentes assolam o país. Em poucas horas choveu o que se esperava para todo o mês."

- Amanhã o editor vai me encher o saco - disse a si mesmo.

"Uma menina foi retirada viva dos escombros."

- O que direi a ele?

"Um rapaz que foi resgatado com vida ainda teve forças para ajudar os bombeiros a encontrar uma criança soterrada, infelizmente já sem vida."

Era muito difícil conviver com a culpa. Não havia parado durante aqueles quase dois anos. Tinha muitas ideias quando assinou o contrato e, logo, passou a dedicar seus dias e suas noites a botar no papel - ou melhor, na memória do computador - os casos e personagens que brotavam como água da fonte, como brotavam as histórias da cabeça de Nietzsche. Mas a inspiração não foi perene. Logo seus pensamentos começaram a secar e os livros incompletos foram sendo deixados de lado. Uma a uma, as histórias foram sendo abandonadas, ou pior, repudiadas. Por isso não tinha sequer uma sinopse ou um plano de obra para apresentar ao editor. Poderia apresentar qualquer coisa, mas desprezava qualquer que fosse a história descartada. Sentia que, se apresentasse, estaria se prostituindo intelectualmente, como se vendesse a sua arte para contar uma história na qual nem ele acreditava.

"No Haiti, dez mil pessoas vivem em tendas. Até os repórteres tiveram que usar colete a prova de balas para entrar no acampamento, que não tem água nem saneamento básico. O cólera se prolifera."
O sol já nascia quando finalmente dormiu. Logo foi despertado pelo telefone.
- Alô Wilson, você ainda está dormindo?
- Que horas são?
- Sao dez e meia. Você ficou de estar aqui às nove - disse o editor, em tom de cobrança.
- Tive uma noite horrível.
- Não pense que a minha foi boa. Mas eu estava aqui às oito.
- Cara, desculpe. Acho que o meu despertador falhou.
- Desculparei se você chegar aqui em meia hora, com o original de um novo best-seller.
- Pois é, precisamos conversar sobre isso.
- Não, não precisamos, Wilson. Já conversamos muito. Agora eu quero o livro. Tem muito autor talentoso querendo publicar com a gente.
- Imagino, depois que eu projetei o nome da editora.
- Não nego, mas ninguém vive das glórias do passado. Seu livro foi um marco, mas precisamos lançar outros.
- Então peça para esses autores talentosos que estão batendo à sua porta.
- Calma aí, garotão. Sou eu, o Dalton, lembra? Não precisa se irritar. Só estou pedindo o seu novo livro.
- É que você está me pressionando muito.
- Estou, mas você não faz ideia da pressão que eu recebo aqui todos os dias. Não é fácil segurar as cobranças por esse livro.
- E por que não cobram dos outros autores?
- Cobramos, sim. Mas o seu novo livro está sendo aguardado pelo mercado. É lançar e faturar.
- Desculpe, Dalton, eu me exaltei porque também estou ansioso para entregar esse livro, mas a história não vem.
- Era o que eu temia, que você fosse daqueles escritores de um livro só.
- Não, eu sinto que posso escrever muito mais. Só peço um pouco de paciência. 
- Escute, Wilson. Faltam só três semanas para o fim do seu contrato. Já pensou no vai fazer se essa inspiração não vier?
- Não - rendeu-se -, não faço a menor ideia.
- Meu financeiro vai me matar, mas acredito no seu talento. Você está precisando mudar de ares. Prepare as malas, estou mandando você para uma semana em Curitiba.
- E o que é que tem em Curitiba?
- É uma linda cidade, mas espero que tenha a inspiração que você precisa.
- É, vamos ver.
- Anime-se, rapaz, é sua última chance. Vejo você na semana que vem. Se esse livro não sair, nós dois vamos juntos procurar emprego.
- Mas você é o dono da editora.
- Sou, mas, perdulário desse jeito, em uma semana estarei falido.


Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 12/01/2011
Reeditado em 26/04/2011
Código do texto: T2724814

Novos Amores


Novos Amores

Haverá outros poetas,
Que até mandarão flores.
Há espaço em sua vida
Para amar muitos amores.

Haverá outros amores
Implorando um beijo seu,
Lhe pedindo para ter
Esse amor que já foi meu.

Haverá poetas novos
Que vão lhe conquistar,
Que a farão sentir
Que ainda pode amar.

Tudo é possível, meu bem,
Basta um telefonema,
Quem sabe um pedido direto,
Quem sabe até um poema.

Doce encanto esse da vida,
Dos amores de cada dia.
As promessas esquecidas
Podem acabar em poesia.


Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 08/02/2011
Reeditado em 08/02/2011
Código do texto: T2778772

Noites Vazias


Noites Vazias

Meu nome são noites vazias, dizia uma canção que tocava os corações dos bêbados e boêmios que desfilavam sem rumo pelos corredores daquela noite vazia em que tudo podia acontecer.

Nas calçadas e nas sombras só se via os fantasmas da noite se esgueirando em direção ao amanhecer.

E quando o dia veio, a luz do sol espantou os fantasmas, vampiros e outros seres, que mais uma vez se recolheram para esperar um novo por-do-sol.

Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 01/03/2011
Código do texto: T2821387

Você devolveria uma mala cheia de dinheiro?


Você devolveria uma mala cheia de dinheiro?

ÉTICA, MORAL E SISTEMA FINANCEIRO

O que você faria se encontrasse uma mala cheia de dinheiro?

Esta é uma pergunta clássica quando se fala em ética. Uns dizem que devolveriam, outros que ficariam com o dinheiro, a maioria afirma que analisaria o contexto, buscando informação sobre o perdedor do precioso bem. Então a sua ética estaria vinculada à do infeliz perdedor da mala. Se fosse alguém que sacou todas suas economias para pagar uma cirurgia, devolveria. Mas se fosse um político corrupto e descuidado, não devolveria.

Tenho um grande amigo que sustenta que o gesto de devolver se constitui num comportamento ético e antinatural. Ninguém pode conscientemente renunciar algo que não tem. Se você não tem o dinheiro e o obtém num acaso imprevisível, somente uma imposição moral muito forte pode lhe convencer a devolver. Quem discutiria o ato de um mendigo deparar-se com um delicioso bombom caído no chão e comê-lo? Não haveria questionamento sobre a propriedade nem sobre o contexto ético e moral que envolveu a perda.

Nossa sociedade tem revelado uma inversão de valores surpreendente. A legislação protege mais o patrimônio do que a própria vida. O capital se concentra cada vez mais nas mãos de quem tem maiores recursos. Todos assistimos pela televisão, jornais e revistas a saga do empresário-apresentador Silvio Santos, diante do rombo no seu Banco Panamericano. Ele conseguiu um empréstimo de dois e meio bilhões de reais para pagar em dez anos, com carência e sem juros. Ora, se fosse uma pessoa comum pedindo dois mil e quinhentos reais para pagar em dez meses, certamente se depararia com exigência de documentos, cadastro, garantias e ainda teria que suportar juros, TAC, IOF e todos os tipos de encargos, que elevariam sua dívida a três, quatro mil reais.

Mas por que o sistema pode emprestar bilhões de reais sem juros a alguém que repassa esse empréstimo a juros extorsivos? Dizem que quem empresta é um fundo garantidor, que tem por missão evitar que o sistema bancário seja implodido. Se um banco quebrasse e o governo não garantisse o dinheiro dos depositantes, ninguém mais manteria seus recursos nas casas bancárias. Então o chamado meio circulante seria muito maior e o governo seria obrigado a emitir muito mais papel-moeda. Difícil de entender, não é? O sistema se protege e as regras que valem para as dívidas do cidadão comum não se aplicam às dos bancos e dos governos.

Você já parou para pensar em por que um cartão bancário serve em todos os lugares, menos nos outros bancos? Você paga com o seu cartão de débito ou de crédito as compras que faz em todos os lugares, se zanga quando o fornecedor não aceita pagamento em cartão. Até mesmo os vendedores ambulantes e os motoristas de táxi andam com aquelas maquininhas que tiram o dinheiro da sua conta e passam para a deles. Então, por que para pagar uma conta num banco você só pode usar o cartão daquele banco? O dinheiro não sai de sua conta e passa para a deles? Que diferença faz se você é ou não cliente daquele banco? A resposta é simples: as administradoras dos cartões cobram um percentual sobre cada transação; os bancos não gostam de pagar taxas, gostam é de cobrar.

O sistema financeiro tem transformado empresas e trabalhadores em devedores caloteiros. A concentração de valores nas mãos de grandes grupos financeiros torna a população refém dos banqueiros, que podem tomar empréstimos sem juros ou a taxas reduzidas para repassar à população comum, às empresas pequenas e médias, cobrando as maiores taxas do mundo e com a garantia de que poderão buscar o amparo de um fundo garantidor se seus negócios não derem certo.

Fica cada vez mais importante, para sobreviver no mundo moderno, seguir o ensinamento ancestral que recebemos de nossos pais: viva com modéstia, não gaste tudo o que tem, pague em dia as suas contas e, principalmente, não tome empréstimos.

Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 05/03/2011
Reeditado em 12/03/2011
Código do texto: T2829417

Como reconstruir tudo a partir do nada?


Como reconstruir tudo a partir do nada?


Se levarmos em conta que no princípio nada havia, então sabemos que tudo o que temos foi criado a partir do nada. Foram pedras, árvores, minérios, petróleo, materiais grosseiros que foram refinados pela mão do homem, gerando tudo o que existe.

Já parou para pensar que os bens mais preciosos que temos não passam de plástico, metal, concreto trabalhados? O que vale mais, então? O conhecimento humano ou os bens que se possui?


Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 15/03/2011
Código do texto: T2848812

Cegueira


Cegueira

Senhor, de quem é a culpa de minha cegueira?
Jesus, mostra-me a fonte de Siloé.
Tende piedade de mim, oh Deus.
Tende piedade de mim, Senhor.

Coloca lama em meus olhos.
Lava-me para que eu veja.
Para que todos te louvem,
Que todos abram os olhos.

Minha vida sem sentido,
Minha vida sem louvor,
Minhas lutas tão inúteis.
Abre meus olhos, Senhor.

Ainda que me expulsem,
Ainda que me excluam
Das coisas deste mundo,
Diz-me quem é cego, Senhor.

Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 05/04/2011
Reeditado em 05/04/2011
Código do texto: T2890168

Deus


Deus


Foi Deus que escolheu você. Não tenha medo.

Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 28/04/2011
Código do texto: T293565

Semeadura



"Quem semeia paixões, colhe desilusões."


Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 04/05/2011
Código do texto: T2948354

Saudade de mim.


Saudade de mim.

Às vezes sinto uma saudade de mim...
Procuro em cada esquina o passado que perdi.
Não sei se é normal viver assim,
Pensar a cada instante naquilo que vivi...
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 10/05/2011
Código do texto: T2960250

A Vingança


A Vingança

João estranhou o homem na esquina de sua casa. Estava parado como se esperasse por ele. Ficou olhando, esboçando falar algo, mas nada disse. Apenas acompanhou com os olhos a passagem de João, que não tinha medo de ninguém. Se o sujeito quisesse assaltá-lo, reagiria. O rapaz parecia estar armado, mas não levaria o pouco dinheiro que tinha no bolso, nem seu relógio ou aliança.

Abriu o portão e ficou olhando para a esquina. O homem começou a caminhar devagar em sua direção. João pensou, por um instante, que fora imprudente. Deveria ter entrado e voltado com seu revólver. Agora não tinha muita opção, era ficar ou correr para dentro de casa. Ficou, pois recuar não era do seu feitio.

O homem parou por um instante diante dele e o encarou. João olhou em seus olhos e tremeu com a lembrança que lhe veio à mente. Uma memória que lhe causava muita dor e que tirara seu sono por muitos anos. Mais de vinte anos se haviam passado e aquele pensamento o assombrou novamente ao ver o olhar, que o fez lembrar-se do antigo amigo, da morte que recaía sobre sua consciência.

João se lembrou do dia em que, a milhares de quilômetros dali, entrou no bar do Zé. Os amigos estavam com ele, não o largavam desde que Genésio prometera matá-lo. Mas Genésio não era homem pra isso e ofereceu um prêmio de cem mil cruzeiros a alguém para matar João. A oferta foi feita depois que Genésio se meteu com João e saiu humilhado. Era uma obsessão, um ciúme sem motivo. Difícil entender.

Quando a conversa se espalhou, os amigos não deixaram mais que João andasse sozinho, mesmo com a arma que passou a portar. Pediram conhaque e o Zé colocou a garrafa na mesa, como estava acostumado. Sabia que a garrafa na mesa levava os clientes a consumir mais do que se tivessem que pedir de dose em dose. Depois era só ver a medida e cobrar pelo consumo. O Zé tinha tanta experiência que sabia, só de bater os olhos, quantas doses haviam sido consumidas. Foi o erro que lhe custou a vida.

Resolveram comprar uma carne para acompanhar o conhaque. O bar do Zé não servia carne e era normal que os clientes comprassem no açougue do Manoel, que ficava ao lado. João foi buscar a carne, que o Manoel costumava fritar em pedaços para servir aos clientes compartilhados com o amigo Zé, que servia a bebida. Mas naquele dia não havia mais carne, fora toda vendida. Agora era preciso matar mais um boi e carnear o bicho. O povo estava acostumado com isso na pequena localidade. João voltou ao bar e os amigos resolveram ir cada um para sua própria casa, comer os angus que suas mulheres deviam ter preparado para as crianças.

- Não vamos ficar, Zé. O Manoel não tem mais carne. O jeito é ir pra casa comer farinha.
- Tudo bem. Voltem amanhã, que deve ter carne no Manoel. Ele não deixa ficar muito tempo sem matar um boi.
- Quanto é que devemos do conhaque?
- Deixa eu ver a garrafa... São 500 cruzeiros.
- Tá louco, Zé? Esse é o preço de uma garrafa inteira!
- Mas é o que vocês vão pagar hoje.
- Ah não. Não tomamos nem metade da garrafa.
- Eu já disse que são 500 cruzeiros.
- Toma 300 que já tá bom.

João colocou o dinheiro sobre o balcão e quase foi atingido pelo golpe do facão que o Zé sacara de surpresa.

- Que é isso Zé? Tá maluco?
- Você vai pagar o preço certo, João.
- Mas esse preço não é certo.
- Bem que o Genésio disse que você não vale nada.

A menção do nome do inimigo atiçou os pensamentos de João. Talvez o amigo Zé fosse o homem contratado por Genésio para matá-lo. Quem sabe a amizade valesse menos que os cem mil cruzeiros do prêmio por sua morte. João recuou, enquanto os amigos tentavam conter o Zé, que pulava por sobre o balcão. Não conseguiram, o Zé se desvencilhou deles e avançou em direção a João, que já estava fora do estabelecimento.

- Não pise aqui fora, Zé. Senão você morre.
- Você não é homem pra me matar, seu filho de uma égua.

João era homem, sim. O Zé caiu morto ali mesmo, com seu facão na mão, deixando a viúva e seus filhos pequenos, desgraçando as suas vidas e também a do João.

Todos esses pensamentos vieram à cabeça de João quando viu os olhos do amigo Zé no olhar do homem parado à sua frente. Vinte anos se haviam passado. A justiça o absolvera, legítima defesa, mas nem por isso dormira em paz. Sua consciência o condenava pela reação de valentia. Podia ter fugido, podia ter pago os 500 cruzeiros, podia ter feito qualquer coisa que poupasse a vida do Zé. O ódio gerara mais ódio e Genésio contara, depois, com o apoio dos amigos e parentes do Zé para tentar matá-lo. Escolhera deixar a cidade, migrar para o sul para poder criar seus filhos em paz.

Agora o destino se apresentava diante dele, nas mãos daquele carrasco com os olhos iguais aos do Zé. Seu filho havia crescido e viera cobrar a morte do pai. João estava pronto para pagar sua dívida.
Mas aquela visão não era a que o filho esperava encontrar. Toda sua infância imaginara um demônio, o assassino sanguinário que destruíra sua vida e de seus irmãos. A cada surra que levava do padrasto sentia ódio pelo homem que matara seu pai. O marido de sua mãe privilegiava os próprios filhos e desprezava os rebentos da mulher com o falecido José. O filho sofria e nutria um profundo desprezo pelo padrasto, aliviando a dor com a certeza de que um dia mataria o assassino de seu pai, um sujeito que, diziam, fizera fortuna no sul.

O que via ali, diante de si, era um homem velho, gordo, parado em frente a uma casa humilde. Esperara por ele o dia todo e percebera o semblante cansado de quem trabalhara uma longa jornada, tomando ônibus lotado para chegar à casinha na periferia.

O rapaz casara e constituíra família. Tinha seu próprio bar e trabalhara muito para sustentar os filhos e juntar o dinheiro da passagem para estar ali naquele momento. Toda a sua vida levara com a certeza de que tinha um encontro marcado com o assassino de seu pai. Nesse dia destruiria a própria vida, acabando com a do maldito. Passaria o resto da vida na prisão.

Toda essa certeza se dissipou no momento em que deparou com aquele homem parado, desarmado, peito aberto diante de si. Fitou seus olhos e viu o próprio pai. Não era o mal encarnado, mas o fio de sua própria história que finalmente reencontrava. Tudo o que era devia àquele homem. Por sua causa sobreviveu, suportou todas as agruras da vida. Sem saber, aquele velho homem fora seu pai, muito mais que o padrasto que lhe cobrara um preço alto pelas migalhas que o alimentaram. João se parecia muito mais com a imagem que tinha de seu pai em suas memórias de infância. Eram amigos, havia esquecido. Se o matasse estaria tomando a arma que lhe tirou o pai e condenando os próprios filhos a um futuro incerto, uma vingança infinita. Os filhos de João poderiam se vingar dele. Depois os seus filhos seriam criados por outro homem, quem sabe um idiota igual ao padrasto e, quando crescessem, vingariam sua morte, num ciclo sem fim. Não, o homem que odiara a vida toda estava dentro de sua cabeça e não diante daquele portão. O inimigo imaginário o mantivera vivo, forte e alerta.

Naquele momento decidiu: a vingança não era necessária. Tudo terminava ali. A vida seguiria seu curso. Caminhou até a outra esquina e se foi, dando uma última olhada para o homem no portão, que o fitava sem entender o que se passava em sua mente.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 18/06/2011
Reeditado em 19/06/2011
Código do texto: T3041949

O Primo


O Primo

Ali pegou o telefone com alegria. A avó já havia atendido e anunciado ser o primo que chegara do Líbano. Começou a falar em árabe, mas o primo logo avisou que falava português, pois vivera um tempo no Brasil. Mesmo assim não se conheciam.

- Onde você está, primo? Vou aí buscar você.
- Estou aqui numa rua, deixa ver... André de Barros, perto do Senac.
- Ah, é bem perto daqui. Espere aí que eu já chego.

Entrou na sua Brasília vermelha e dirigiu até onde o primo anunciara. De fato, não era longe. Lá chegando, muita gente nas proximidades do Senac. Quem seria o primo? Logo o encontrou, acenando com a mão, aceno que foi correspondido. Estacionou a Brasília e desceu para cumprimentar todos, naturalmente com os beijos que fazem parte da tradição árabe. Que família alegre era aquela, Ali já simpatizou com todos no primeiro contato. A avó ficaria contente ao revê-los. Percebeu que era um bom grupo, não caberiam todos em seu carro. Felizmente havia outro carro parado perto do seu. Dividiram-se entre os dois carros e partiram.

No trajeto a conversa foi animada, um pouco vazia pelo fato de não se conhecerem anteriormente. Ainda tentavam identificar parentes que todos conhecessem quando Ali estacionou na Praça Osório, anunciando a chegada.

– Aqui? – perguntou o outro – Nós não vamos para uma chácara?
– Não, minha avó mora aqui, bem no centro. Quem falou que ela morava na chácara?
– Mas nós combinamos todos de ir para a chácara.
– Peraí, você não acaba de chegar do Líbano?
– Que Líbano? Minha família é portuguesa!

Logo concluíram que haviam se enganado. Todos desceram da Brasília e entraram no outro carro, que vinha atrás. Foram embora e Ali voltou ao Senac, onde o primo havia assistido toda a cena do embarque anterior, sem saber da confusão que se armara.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 22/06/2011
Código do texto: T3051481

Amor com Cuidado de Pai


Amor com Cuidado de Pai

O pai proporciona mesa farta para seus filhos, mas cuida para que não engordem demais.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 20/08/2011
Código do texto: T3170665

Leitor de Si Mesmo


Leitor de Si Mesmo
 
Você jamais será um grande escritor ou poeta sendo leitor apenas de si mesmo.

Se quiser leitores, seja leitor. Se quiser plateia, seja plateia.
 
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 11/09/2011
Código do texto: T3213752

Importância


Importância
Não importa o que eu FALEI. Importa é o que eu FAREI.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 04/10/2011
Código do texto: T3256298

Urgente


Urgente

A vida é sempre urgência. Precisamos nos disciplinar para parar, observar, refletir e, só então, decidir. A pressão favorece quem já pensou.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 11/10/2011
Código do texto: T3269687

Lamento.


Lamento.

Eu julgava que podia tudo
e, por isso, não fiz nada.

Agora me resta pouco tempo
e tanto a fazer...
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 17/10/2011
Código do texto: T3281211

Recorrência


Recorrência

Sentimentos são recorrentes,
Pensamentos também.
Então, se somos recorrentes,
Por que não recorremos
a experiências antigas
para evitar erros novos?
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 18/10/2011
Código do texto: T3283736

Segredos de Poeta


Segredos de Poeta

Um poeta nunca dorme sozinho.
Dorme com seus versos
E seus sonhos,
Suas ilusões,
Aquela saudade que não se sabe.
Muita gente se deita
Na cama do poeta,
Que, sem que seja devasso,
Consegue ser de todos
sem que ninguém saiba...
Ou poucas pessoas sabem.
Porque o poeta entra no imaginário
e de lá retira profundas confissões.
E lá deposita segredos inconfessáveis,
Para voltar ao mundo normal
E se misturar na multidão.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 29/10/2011
Código do texto: T3304573

Silêncio e medo


Silêncio e medo

Silêncio e medo
Medo e dor
Dor e angústia
Angústia e solidão
Solidão e ansiedade
Ansiedade e incerteza
Incerteza e busca
Busca e encontro
Encontro e coragem
Coragem e certeza
Certeza e silêncio.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 01/11/2011
Código do texto: T3310296

Invencíveis


Invencíveis

Bravos guerreiros
De augusto porvir
Lutam esgueiros
Sem nunca cair.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 18/12/2011
Código do texto: T3394591

Avatar Velho de Mim


Avatar Velho de Mim

Avatar Velho de Mim

Hoje li numa revista que as pessoas estão fazendo avatares para ver como ficarão quando forem velhos. Coincidentemente, eu fiz um desses avatares sem perceber. O problema é que o que eu fiz é real, eu mesmo ali, velho, envelhecido.

Explico: desde o dia 23 de dezembro, quando saí de férias, não raspei a barba. Foram dezoito dias, o que me deixou com o rosto tomado pelos perturbadores pelos. A família toda protestou, mas mantive a aparência que a todos espantou. Pai, você está muito feio, parece bandido, parece petista, toda sorte de comentário eu ouvi. Minha mãe quase me deserdou, filho seu não usa pelo na cara. Ainda bem que a herança material da velhinha é realmente pequena. O que ela deixará é muito mais ético e moral que um punhado de moedas que possa resultar do trabalho de sua vida toda. Engraçado que artistas de televisão adorados por todos portam suas barbas impunemente sem que ninguém questione suas decisões. Tem até a moda de manter uma barba rente, como se fosse um barbear mal feito. Mas a barba do pobre Jocelino não mereceu tamanha condescendência. Foi logo taxado disso e daquilo e os adjetivos para qualificar sua aparência não pouparam crueldade.

Para prolongar o evento barba, resolvi inventar uma promessa de ano novo que condicionaria o corte da barba: o problema era formular essa promessa. Corto a barba quando resolver meus problemas. Ora, se enquanto advogado vivo de resolver problemas, como poderei resolver todos? Corto quando cumprir este ou aquele objetivo financeiro, profissional ou qualquer coisa assim. Não dá para condicionar um desfecho tão sério em evento absolutamente aleatório, que depende de fatores externos. Porém a promessa deu margem a negociações familiares: troca por chocolate, não come chocolate enquanto não atingir o objetivo. Nem pensar, não vou deixar de comer chocolate. O fato é que há pouco, minutos antes do fim do último domingo de férias, raspei a polêmica barba enquanto me banhava.

Mas a imagem que vi no espelho me deixou pensativo. Quase aos quarenta e nove anos de idade, minha barba é praticamente grisalha. Embora os cabelos já estejam em fase avançada de branqueamento, a barba está bem mais adiantada em relação a eles. O homem que vi no espelho é realmente velho. Sua visão me projetou a daqui dez, vinte anos, quando realmente estarei esgotado física e mentalmente. Tem um ditado que diz que você nunca será mais novo do que é hoje e que terá saudade deste tempo quando for realmente velho. Acho que esse avatar me serviu para colocar os pensamentos em ordem em relação à velhice. O cansaço que sinto é controlável, descansável por assim dizer. Tenho força e disposição para trabalhar, embora de forma menos afoita que aos trinta anos de idade. Porém, não tenho mais tempo para aventuras, para desperdícios de tempo, de energia, de dinheiro. Todos os atos devem ser direcionados com parcimônia para não errar. Perdi muito tempo de minha vida consertando erros. Quando você cai por fazer algo errado, fica a certeza de que poderia estar melhor se não tivesse feito nada. Projetos frustrados é o que ataca realmente as suas energias, suas finanças e sua auto-estima.

Outro dia ouvi um grande empresário dizer que abriu mais de sessenta empresas em sua vida, mas que somente nove ou dez delas existem ainda hoje. Ora, esse homem tinha tudo para ser um grande fracassado, pois a maior parte do que fez não prosperou. Então o que fez dele um homem de sucesso? Evidentemente, a capacidade de saber a hora de fechar um negócio pouco rentável, a organização para saber exatamente a situação contábil de suas empresas e, principalmente, a liberdade para não se escravizar a empreendimentos que não lhe trouxessem o retorno esperado. Conheço diversos casos de dirigentes que não quiseram fechar no momento adequado, pois seus negócios sustentavam famílias de empregados, sócios, fornecedores e toda sorte de pessoas que dependiam deles. Conheço outros que não tinham controles confiáveis e somente ficavam sabendo que as coisas estavam mal quando o gerente do banco lhes cortava o crédito. Outros, tão infelizes quanto, não fechavam porque não tinham dinheiro para pagar os impostos e indenizações trabalhistas. Uns mais emotivos mantinham negócios fracassados abertos por valores sentimentais: meu avô fundou esta empresa, meu pai construiu este prédio, esse cliente já nos deu muito lucro e podemos tolerar sua má fase. Nenhum deles teve a mesma “sorte” do empresário que falei na abertura deste parágrafo, tiveram que fechar mais cedo ou mais tarde. Humilhados, abandonados, fracassados e endividados, todos os seus medos se confirmaram e gastaram décadas de suas vidas para recuperar a auto-estima. Exatamente por não terem tomados as atitudes certas nos momentos certos.

Pois bem, o Jocelino de quarenta e nove anos, que se viu diante de seu avatar mais velho (que na verdade é o espelho do que ele é atualmente), resolveu fazer a si mesmo algumas promessas de ano novo: Organizar sua vida de modo a não se arrepender futuramente por não ter dito não no momento adequado. Cobrar seus créditos e pagar seus débitos, não deixando que a noção de patrimônio imaterial o iluda e nem o convença a continuar insistindo em projetos fadados ao insucesso. Priorizar atividades rentáveis. Renunciar processos de clientes que não pagam e exigem resultados como se lhes devesse alguma coisa. Fazer justiça gratuita somente em casos extremos e, quando fizer, prestar ao necessitado um trabalho de excelente qualidade. Reciclar conhecimentos jurídicos, aumentando a qualidade do serviço prestado. Apoiar mais as atividades comerciais da esposa (por falar nela, faz uma hora que saí do banho e ainda não percebeu que raspei a barba. Sinal que já não presta muita atenção em mim).

Feliz 2012.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 09/01/2012
Reeditado em 26/01/2012
Código do texto: T3430828

Amor Secreto


Amor Secreto

João amava Maria,
Que amava João, mas,
No fundo, nutria
Secreta paixão por José.

José correspondia a
Secreta paixão de Maria,
Mas sabia que a vida
Jamais permitiria que
Deixasse de ser secreta,

Pois Maria a João pertencia
E José também prometera, um dia,
Outro alguém amar.
E esse alguém não era Maria.

Um dia o destino uma peça pregou,
Pois Maria um rebento gerou,
E esse filho, o jeito do pai não herdou,

Melhor seria dizer que herdou,
Mas João não notou
E o filho de José criou.

E o destino não se deu por satisfeito.
Tinha que achar um jeito
De bagunçar o que já estava arrumado.

Levou Maria mais cedo
E a José deixou o segredo
Que não podia ser revelado.

Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 05/02/2012
Reeditado em 05/02/2012
Código do texto: T3482692

Ousadia


Ousadia

Acumulei na vida dores, favores e amores,
Tenho uma coleção de vitórias e derrotas a me apresentar,
Uma horda de gente que ama, outra que me odeia,
Uma série de feitos dos quais me orgulho, outra que me envergonha.

Ninguém sai da vida incólume, disse o mestre.
Numa batalha, até os vencedores saem feridos.
E eu, atrevido, não poderia esperar diferente desfecho.
Viver é perigoso, e eu vivi.
Crescer é perigoso e eu cresci.

Paguei com sangue e suor o preço por sonhar.
Paguei com lágrimas o preço por amar.
Paguei com vida o preço por ousar.
E eu ousei viver.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 02/03/2012
Código do texto: T3530492

Tempo


Tempo

Desde que nascemos um relógio nos

espreita; e, ainda que tentemos

disfarçar, denuncia cada segundo de

nossas vidas.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 22/03/2012
Código do texto: T3568702

Rescaldo


Rescaldo

Curiosa constatação: depurando os processos sobra muito pouco. A sombra do que foi assombra a realidade do que restou.

Estou muito ocupado, eu diria, mas essa suposta ocupação só vela a realidade de que quase nada tenho ainda para fazer.

Melhor despertar e procurar na limpeza remover os detritos, limpar a poeira, lustrar os metais e organizar os móveis.

 Só assim a casa estará limpa, pronta para novos ocupantes. É uma casa antiga, eu sei, mas muito espaçosa e acolhedora.

Em breve o vigor e a alegria estarão de volta. Logo, logo, haverá crianças brincando e pássaros cantando no jardim, como outrora.

E seremos felizes outra vez, como se tudo o que aconteceu não passasse de um pesadelo, desses que a gente acorda assustado.

E todos lembrarão como é bom, viverão a nostalgia de um reencontro inusitado com o inesperado. Reencontrarão a si mesmos.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 30/03/2012
Código do texto: T3585403

A que te dedicas?


A que te dedicas?


A pergunta é usada em espanhol para inquirir a profissão ou o ofício de alguém, o que faz para ganhar a vida. As palavras, contudo, podem muito bem ser interpretadas literalmente em português com sentido absolutamente diverso. A que te dedicas, ou, a que você se decida...

Onde estiver a sua atenção, aí estará o seu coração. Onde estiver o seu coração, aí estará o seu tesouro. Muita gente se dedica a coisas que não têm nada a ver com o trabalho ou meio de sustento. Pessoas se dedicam a estudar, a fazer filantropia, a assistir televisão, qualquer coisa. Mães se dedicam aos filhos, apaixonados se dedicam ao ser amado. Artistas se dedicam a suas artes, sem preocupação inicial com o valor que tais obras vão render a seus bolsos. Viciados se dedicam a satisfazer seus vícios.

A que te dedicas, pergunto eu, onde está o teu tesouro? Quem ou o que merece a tua dedicação?
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 31/05/2012
Código do texto: T3697209

Primeiro capítulo


Primeiro capítulo

1.
Reparou quando o táxi parou na Praça Zacarias e uma loira desceu, seguida de uma criança que devia ter uns dez anos. A menina teve de correr para acompanhar a displicente mãe, que caminhava em direção à rua Emiliano Perneta sem sequer olhar para trás. Supôs tratar-se de mãe e filha pela cor do cabelo de ambas, mas uma verdadeira mãe não deixaria sua filha para trás daquele jeito.

Em sua caminhada a loira chamava a atenção de homens e mulheres pelo seu jeito exageradamente sensual. Trajava um vestido curto justíssimo com faixas de renda transparente que corriam por toda a lateral, desde as axilas até as coxas, deixando ver boa parte de suas generosas curvas. Calçava sapatos de salto alto e rebolava ao caminhar. Não tinha como não olhar, quer pela beleza, quer pela vulgaridade, quer pela criança que tentava acompanhar seus passos ao atravessar a Praça Zacarias.

As duas logo desapareceram pela Rua Emiliano Perneta e ele voltou a conversar com seus amigos, sentados num banco a observar os transeuntes. Gostava de dedicar um pouco de seu tempo ao ócio, principalmente quando se deparava com alguma situação complexa no trabalho, que lhe tomava o juízo. Nesses momentos descia e tomava um café no quiosque da praça, parando alguns instantes para não enlouquecer diante dos problemas. Ali encontrava amigos que tinham o mesmo hábito e também aposentados, desocupados e toda sorte de pessoas. Era uma tarde nublada de outono em Curitiba. O sol aparecia intermitentemente, mas felizmente não chovia. A temperatura era agradável, na faixa dos vinte graus.

De repente um alvoroço. Ouviu gritos e agitação que chamava a atenção de todos para o caminho que pouco tempo antes observavam. A menina loira surgiu em disparada em direção à praça, como que querendo voltar para o táxi do qual havia descido pouco antes. Parou indecisa diante do ponto, olhando para todos os carros alaranjados como se buscasse reconhecer entre eles o que as havia trazido. Neste momento virou-se para trás e o homem pode ver seu olhar desesperado. A mãe não a acompanhava e a menina começou a caminhar lentamente no caminho de volta. Sentou-se no banco, ao lado dele, e chorou.

– O que aconteceu, menina? – perguntou. A menina não respondia, permanecendo com a cabeça abaixada e as mãos no rosto, chorando muito. Ele insistiu. = Fala comigo. Onde está sua mãe?

– O homem atirou nela e depois veio atrás de mim! – respondeu entre soluços.

– Qual homem? – perguntou, procurando identificar entre as pessoas da praça alguém com uma arma.

– Eu não sei. Eu saí correndo no meio das pessoas e ele desapareceu.

– Então precisamos levar você à polícia.

– Não. A polícia não, por favor. – A menina saltou do banco ao ouvir a palavra, como se polícia a apavorasse.

– Por que não? Se alguém tentou matar sua mãe e você, a polícia tem que ser informada.

– Polícia não – repetiu a menina. – Por favor, moço, me leva lá pra ver a minha mãe. Eu quero ficar com ela.

Subiu pela rua Emiliano Perneta segurando a mão da menina, como se fosse sua filha. Era esse o jeito de um pai ou uma mãe caminhar pela cidade com uma criança, pensou. Chegou à esquina da rua Voluntários da Pátria e já viu o tumulto que se havia formado na próxima quadra, na esquina do calçadão da rua Senador Alencar Guimarães. Forçando passagem conseguiu chegar ao cordão de isolamento e não evitou que a menina largasse de sua mão e corresse para se jogar sobre o corpo da mãe morta. A cena comoveu a todos e o pranto da criança arrancaria lágrimas até mesmo dos olhos mais insensíveis.

Relaxou ao ver que uma policial feminina se aproximou da criança e tentou tirá-la de cima do corpo. Era necessário preservar a cena do crime para que a polícia científica fizesse o seu trabalho. Outra policial se aproximou com um copo d’água e a menina tentava se acalmar. Foi quando viu o dedinho apontado para si e uma das policiais se aproximando.

– O senhor tem que nos acompanhar. Precisamos de alguns esclarecimentos sobre a morte de sua esposa.

– Minha esposa? Quem disse que ela é minha esposa?

– Sua filha, senhor. Por favor, passe por baixo da faixa e venha comigo. – respondeu a policial firmemente.

– Ela não é minha filha. Essa mulher não é minha esposa. – disse, surpreso e um tanto assustado.

– Por favor, senhor, vamos resolver isso na delegacia. Passe para cá.

– Não posso acompanhar vocês. Eu tenho trabalho, preciso voltar ao escritório. – respondeu, querendo se retirar.

– Senhor, é uma ordem. Passe por baixo da fita e me acompanhe. – disse a policial, já em voz alta, levantando a fita com a mão esquerda e colocando a mão direita no cabo da pistola, já destravando o coldre.

– Policial, eu já disse que não tenho nada a ver com essa mulher nem com a menina. Eu apenas a trouxe da praça até aqui. – disse, dando um passo para trás e observando que as pessoas ao seu lado se haviam afastado. Pensou em sair correndo, mas seus pés não obedeceram. Provavelmente o cérebro travou sua decisão, pois os olhos estavam fixos na mão da policial sobre o cabo da arma.

Logo sentiu mãos firmes que seguraram seus braços e o jogaram no chão, algemando-o. Um policial homem veio por trás e o prendeu, revistando-o para ver se não portava alguma arma.

... continua no segundo capítulo.

Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 08/06/2012
Código do texto: T3712031

O poeta está vivo.


O poeta está vivo.

O poeta está vivo. Foi ao inferno e voltou. (Frejat)

Tudo começou com Amália. Que linda ela era. As pernas roliças roçando uma na outra, e depois nas coxas do poeta. Momentos mágicos ficaram guardados para sempre na memória. Amália o amou como a mais ninguém, como ninguém mais. Suas palavras ainda ressoam nos ouvidos: tenho câncer, vou morrer. Parecia bobagem, mas Amália falava a verdade. Morreu três anos depois, descansou de tanto sofrer. No começo não parecia grave, era como uma cirurgia plástica. Vou tirar os nódulos do peito e enxertar com carne da minha bunda. Tiro de onde sobra pra botar onde falta, aproveito pr'ajustar estes peitos mamados demais. Tens certa culpa nisso, tu e meus filhos. O poeta não gostou que Amália não lhe mostrou. Estou sem mamilo, o doutor falou que é complicado, farei uma cirurgia só pra isso quando desinchar. Mas não desinchou, a segunda cirurgia foi para cortar um peito fora. Não me podes ver, sinto vergonha de ti. E Amália foi sendo cortada como um cordeiro sacrificado, secando até que se foi. Seus dias chegaram ao fim, mas os do poeta não.  Bem que Deus podia ter levado os dois, pois o poeta secou ao ver a mulher definhar até a morte. Não deveriam tirar as musas dos poetas, alguns não resistem. O poeta não teve essa graça. Não me deixe, Amália, pedia. Não é meu desejo deixar-te, é o criador que me chama. Não me tire Amália, pedia em orações sem resposta. Leve-me com ela, Nada de resposta. Leve-me no lugar dela. Nada. Nenhum sinal de Deus. O poeta se revoltou, disse que Deus queria sua musa para si, tão bela que era. Blasfemou contra o destino, bebeu metade da caninha da cidade. Não raro era carregado para casa. Outras vezes dormia na sarjeta. O que será de Tristão sem Isolda? Perguntava aos brados, acordando a vizinhança. Cale-se, gritava alguém de uma janela. Que será de mim sem Amália? Perguntava mais alto. Deixe-me dormir, gritava outra voz. Deus não é justo, bradava. Vou chamar a polícia, seu bêbado. Que será de mim sem Amália? De Tristão sem Isolda? E dormia ali. com esses pensamentos, chorando feito criança.

Quando as lágrimas secaram e o pequeno patrimônio virara pó, resolveu reagir. Deve ter sido no dia em que Eulália, a filha mais velha, disse que não havia mais o que comer. Venda alguma coisa, resmungou. Não temos mais nada pra vender. Compre fiado na bodega da dona Francisca. Não vende mais, a conta tá enorme. Do seu Lauro. Nem deixa a gente entrar enquanto não pagar. E nenhum nome mais vingou, todos haviam fechado as burras. Então o poeta olhou para os filhos, tão pequenos e sem mãe, órfãos de pai vivo. Sofriam mais que ele, que egoísta havia sido. Tomou um banho frio porque a luz estava cortada. Pôs um arremedo de roupa limpa e procurou dona Francisca. Senhora, sois mãe, haveis de me ajudar. Lavo vosso chão, carrego vossos caixotes, faço o que mandardes, mas vos imploro que adianteis um farnel pr'alimentar minhas crianças. Faço por Amália, não por ti, contestou a comerciante. És um vagabundo, sei que vou me arrepender. Leva esta comida para teus filhos e volta logo que vou te dar o que fazer. Mas se botares uma gota d'álcool na boca estarás fora, vais humilhar-te em outra freguesia. Obrigado, dona Francisca, eu sabia que podia contar convosco. Tendes um coração de ouro. Olha lá que estou de olho em ti, ó sujeito. Vou e volto numa risca, pois nenhum homem sensato se arrisca a desobedecer ordem de dona Francisca. Pare de fazer trocadilhos, porque teu espírito de poeta só te levou à bancarrota.

Foram dias duros aqueles, os de adaptação e desintoxicação. Mais que o corpo, o poeta precisava recuperar a alma, voltar ao mundo dos mortais. Doía-lhe o corpo desde os dedos dos pés até os fios de cabelo, dona Francisca não lhe dava um instante de folga. Era poeta daqui, poeta de lá, se parasse por um instante, ainda que fosse para respirar, logo vinha o grito, olha que estou de olho em ti, ó sujeito. Mas a dor que demorava a cicatrizar era a da alma. Amália estava em cada canto, sempre a espreitar com sua lembrança que tomava os pensamentos do poeta. Porém agora voltava com ar de cobrança para que o marido não deixasse sucumbir os filhos, não permitisse que ruísse o lar que construíram a custa de tanto trabalho. Guarda meus filhos, meu poeta, todos teus esforços valerão a pena se conseguires manter tua família. Conseguia ver a mulher no semblante de cada uma das crianças. Eulália já era uma mocinha, doze anos e cuidava da casa como aprendera como a mãe. Por vezes viu seu vulto se aproximar e teve a impressão de que era a musa que voltara. Ascânio tinha o olhar e os cabelos da mãe. Foi o que mais demorou para parar de chorar. Por vezes acordava gritando, mãe, como a implorar que tudo não passasse de um sonho ruim. Na verdade o poeta também nutria a esperança de ouvir a voz de Amália dizendo dorme, filho, foi só um pesadelo. Mas era verdade, bem sabia, teriam que viver sem ela. Astrid se adaptou mais rápido que os irmãos. Em pouco tempo já chamava Eulália de mãe, pois a irmã lhe dedicava os mesmos cuidados, consolando-a como se também ela não precisasse ser consolada. Logo o trabalho do poeta foi compensado e a luz religada, na mesa não faltava mais o que comer. Restava conter o coração e zelar para que os filhos voltassem a sorrir. A lembrança de Amália, contudo, jamais sairia de seus sonhos e de seu coração. Estava curado o corpo, mas a alma seguiria vagando, furtiva, pelos caminhos tortuosos da poesia, pelos escritos inconfessáveis que guardava longe dos olhos de todos.
Jocelino Freitas
Enviado por Jocelino Freitas em 18/07/2012
Código do texto: T3784573

Cepramim - continuação

Há muito tempo escrevi um poema assim::


Cepramim

É uma coisa estranha
Não sei dizer o que é.
Mexe com minhas entranhas
Desde a cabeça até o pé.


Fígado, baço, bexiga ou rim,
Não sei mais o que eu faço.
Procurei por um médico,
Que recomendou 'Cepramim'.


Tentei outras coisas,
Chá de camomila, alecrim,
Mas esta dor nas costas
Só tem cura com o 'Cepramim'.


Fui num curandeiro,
Experimentei macumba,
Homeopatia, terreiro,
Hipnose, benzedeira.


Não teve outro jeito
Esta dor no peito.
Remédio pro meu defeito
Só mesmo o Cepramim.

Agora escrevi a continuação:

Cepramim não tem
contraindicação.
Faz bem pra pele,
pro sangue e pro coração.

Tentei outros remédios,
mas não tem melhor não.

Cepramim é o remédio
que me tira da depressão,
que cura a febre,
a ansiedade e a pressão.

Se você não entendeu eu lhe digo,
escute um conselho de amigo.
Cepramim é o remédio
que quer dizer:
você sempre comigo.