O Obelisco
O obelisco
Numa praça de Bucareste existe um
obelisco de mármore branco que trespassa uma coroa de vime preto. Do encontro
entre branco e preto a representação vermelha de sangue escorre. Ao lado, uma
parede em forma de muro em semicírculo com milhares de nomes.
Tentamos perguntar a um
transeunte, mas ele não soube dizer o que significavam os nomes, nem qual sua
relação com o monumento.
À noite, durante o jantar, fui
colocado ao lado de um romeno chamado Sergiu (com u mesmo), uma pessoa muito
culta, de conversa agradável. Resolvi, então, perguntar a ele sobre o monumento
e seu significado.
– Em frente ao obelisco existe um
palácio, no qual ficava o ditador Nicolae Ceausescu. Um dia, no final de 1989,
a população ocupou a praça, num protesto contra a situação que vivíamos,
pedindo mais liberdade. A polícia tentou esvaziar a praça, mas o povo não se
retirava. Então o presidente deu ordem para que se abrisse fogo. Os soldados
começaram a atirar, mesmo assim o povo não se movia. Era melhor morrer que
continuar naquela situação. Na medida em que as pessoas foram caindo e o sangue
escorrendo pelo chão, uma metamorfose se operou. Aqueles soldados também eram
povo e haviam sido treinados para proteger as pessoas que estavam matando. É
provável que tenham reconhecido alguns rostos na multidão como seus parentes e
amigos. O fato é que, de repente, os soldados se viraram para o palácio e
passaram a proteger o povo. Esse mesmo
sentimento foi contagiando os demais soldados, até que só restou a guarda do
gabinete presidencial a proteger o ditador. Naquele dia ele foi derrubado e
logo depois condenado à morte. Aquele obelisco foi construído para homenagear
os mortos, cujos nomes estão gravados no muro.
– Você deve ter perdido amigos
nesse dia, não?
– Até hoje eu escuto o zunido das
balas em meus ouvidos. Eu estava lá e só não morri por mero acaso, pois vários
amigos tombaram ao meu lado. Acho que todos nós morremos um pouco naquele dia.
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