Vida em Verso e Prosa
Tenho escrito muitas coisas, algumas impublicáveis. Estas, são as mais interessantes.
18 novembro 2013
Começou a
viagem, apertem os cintos. Na verdade os cintos deveriam estar presos antes
mesmo da partida. Senhoras e senhores, esta é uma aventura pela existência
terrena, por nossa estada no planeta Terra. Muito poucos saíram daqui, no máximo
estiveram bem perto da órbita. Talvez quando mandarmos uma missão tripulada a
Marte possamos dizer que alguém realmente vive fora dos domínios terrestres.
Por enquanto nos igualamos na realidade inexorável de que nascemos da mesma
forma e que não sabemos quando nem como morreremos.
Nascemos sem
pedir e morremos sem querer, entre um e outro fato está nossa vida. Se
aproveitamos bem ou mal é questão que cada um enfrenta segundo seus próprios
valores. Alguns amealham fortunas, outros morrem na miséria, mas o fato é que
ninguém leva nada. Ao contrário, até mesmo os corpos voltam ao mundo em forma
de cinzas ou de alimento para os vermes. Vale a lei da Física que diz que na
natureza nada se cria, tudo se transforma.
Assim, se
nascemos de mãos vazias e morremos sem levar nada, concluímos que tudo pertence
ao Mundo. E se o Mundo é Deus, facilmente se chega ao entendimento de que
valemos exatamente a mesma coisa perante Ele, pois em nenhum momento chegamos a
ameaçar a sua existência. Porém, a imagem que Ele faz de nós varia segundo o
uso que fazemos dos bens que nos permite possuir.
Enquanto uma
só pessoa passar fome, ninguém poderá dizer que é justo. Esse é um pensamento
que o avaro, o egoísta e algum ateu pode se recusar a compreender. Ora, não se
sabe o que vem depois, mas sabemos bem o que acontece com quem não acumula,
quem dá ou gasta tudo o que tem. Pensar em si mesmo é regra de sobrevivência,
principalmente num mundo de sete bilhões de habitantes, que já dá sinais de escassez
de alimentos e recursos naturais.
Apertem os
cintos, viajantes, nossa nave espacial viaja a mais de quarenta mil quilômetros
por hora, vagando pelo universo numa estranha harmonia que a livra de chocar-se
com outros astros, apesar de ser um dos menores planetas de uma das menores
estrelas de uma das menores galáxias. Há nebulosas, buracos negros e uma
infinidade de mistérios que nossa compreensão não consegue alcançar. Certamente
nossa Tabela Periódica dos Elementos não contempla sequer uma pequena fração do
que possa existir lá fora. Talvez nosso universo seja apenas uma célula de um
organismo qualquer, transformando tudo o que conhecemos num microcosmo,
contrariando nossas frágeis certezas.
Apertem os
cintos os que vivem sem humildade, os que se julgam superiores, os fortes, os
altos, inteligentes e ricos, pois não valem nada mais que o mendigo que lhes
estende a mão esperando um trocado que possa aplacar sua fome e recebe, com ou
sem a ajuda, um olhar de desprezo, uma interjeição de nojo.
Fronteiras só
servem para afastar e discriminar os seres humanos. Pátrias só servem para
convencer os povos a formar exércitos para matar irmãos, jovens que se
encontram num campo de batalha e que poderiam ser bons amigos não fosse os
uniformes que ostentam, as bandeiras às quais juram fidelidade. São guerras que
não lhes foi dado declarar, tampouco a eles cabe acabar. Seu papel é lutar como
peões num tabuleiro de xadrez. Matar ou morrer é apenas um detalhe. Durante
todo o século XX não houve um só dia no qual a humanidade não vivenciasse uma
guerra em algum lugar do planeta. No século XXI já se passaram muitos anos e,
mesmo assim, não encontramos a paz.
Apertem os
cintos. Longa ou curta, nossa viagem segue turbulenta como uma montanha russa. Os
que têm fé apeguem-se a seu credo. Os que não têm, ao espírito humanitário.
Sigamos juntos e persigamos a harmonia apesar das diferenças, a tolerância
apesar do desencontro de opiniões e o amor universal acima de qualquer
ideologia.
13 novembro 2013
Perspectivas
Quando nada mais
Fizer sentido,
Mude o sentido de tudo,
O rumo da sua vida.
Talvez num outro rumo
Tudo em sua vida
Passe a fazer
Mais sentido.
10 novembro 2013
O Hippie Riu
- Por que o hippie riu?
- O hippie riu porque o gari partiu o pé.
- Que hippie ruim. Rir do pobre do gari que o pé partiu.
- O hippie riu porque o gari partiu o pé.
- Que hippie ruim. Rir do pobre do gari que o pé partiu.
08 novembro 2013
Ao Pé da Letra
– Mãe, telefone pra você! – avisou a Simone, ainda menina, a minha mãe.
– A mãe a gente chama de Senhora. – ensinou minha mãe, das antigas, educando a criança.
- Senhora, telefone pra você! – consertou a pequenina.
– A mãe a gente chama de Senhora. – ensinou minha mãe, das antigas, educando a criança.
- Senhora, telefone pra você! – consertou a pequenina.
07 novembro 2013
01 novembro 2013
Pânico
Microconto: "Um avião caindo e o piloto pede ajuda. A central responde: 'Devido à situação, recomendamos que você entre em pânico'." (Desconheço a autoria)
Futuro Próximo
O que você vai fazer na próxima meia hora? Nos preocupamos com nosso futuro distante mas descuidamos do futuro próximo.
Novos Tempos
Não se recupera o tempo perdido. Podemos viver novos tempos com intensidade, mas o que passou não volta mais.
Fim
Quando todos pensaram que nada mais podia acontecer, três letras surgiram, FIM, e as luzes se acenderam.
Regime ou Queda
Microconto: Estatelou-se no chão quando a cadeira não suportou seu peso. Só então se arrependeu de não ter feito aquele regime.
Sherazade
Microconto: Sherazade conteve a própria mão que segurava a lâmina fatal. Não seria dessa vez que mataria o rei adormecido pelo sonífero.
Roupas Guardadas
Microconto: João guardava a sua melhor roupa no armário, esperando a ocasião de usar. Tinha que ser algo muito especial. Morreu esperando.
Morto
Microconto: João se irritou quando seus amigos disseram que estava morto. Há pouco percebeu que estavam certos. Precisa ressuscitar.
Elogios e Críticas
"É melhor ser criticado pelos sábios que elogiado pelos insensatos. Elogios vazios são gravetos atirados em uma fogueira" Eclesiastes
Ignorância esperta
Certas pessoas se recusam a aprender as coisas, só para que os outros façam por elas. É a ignorância esperta, que aproveita a deficiência.
Opção
Microconto; "Antes do tiro fatal, o derrotado cacique disse ao conquistador; Prefiro morrer como rei de meu povo que como indigente do teu."
Jesus
Jesus disse "Dá todos os teus bens aos pobres e segue-me!" Algumas igrejas dizem: "Dá-me todos os teus bens e segue Jesus".
Traição
Microconto: Não lhe perturbava tanto a traição (afinal, começaram traindo), mas assombrava-se ao concluir que estava absolutamente só.
CARNE DE CACHORRO
José olhou
para o prato à sua frente. Carne de cachorro. Foi o que lhe recomendaram os
amigos quando disse que iria para a China. Por isso disse ao telefone ao Sr.
Cheng, seu parceiro comercial no Oriente, que gostaria de provar. A aparência
não era desagradável. Se não soubesse do que se tratava, teria consumido como carne
de gado ou de porco. A Sra. Cheng preparou uma mesa farta com vários tipos de
saladas e carnes, de modo a impressionar o visitante. Acostumados a receber
visitas ocidentais, os anfitriões sabiam muito bem como impressionar.
Em Roma, faça como os romanos. Esse era
o lema que José defendia para buscar sempre o prato típico dos lugares que
visitava. Isso é normal no Brasil. Comer acarajé na Bahia é quase que uma obrigação
para os turistas. Pior foi comer ideia de
bode em Pernambuco. É assim que chamam os miolos, o cérebro do pobre
animal. Você tem que tomar uma boa cachaça antes e abstrair o pensamento para
engolir a iguaria do nordeste. Lembrou-se do filme Indiana Jones, quando comiam cérebro de macaco. Na China também lhe
ofereceram essa opção de refeição exótica, mas preferiu “deixar para outra
oportunidade”.
Assim fazia
em cada lugar que chegava. Conversava com os locais e procurava conhecer os
pratos típicos da região, levando como lembrança os costumes, a história e a
gastronomia de cada povo. Afinal, McDonalds existe em toda parte e não é esse o
tipo de alimento que buscava. Não tem graça comer sempre a mesma coisa se há
opções infindáveis produzidas por pessoas e culturas diferentes.
Começou pelas
saladas, arroz e batatas que a Sra. Cheng gentilmente preparara. O Sr. Cheng
mantinha seu copo cheio com o melhor vinho de sua adega. Afinal, os negócios
com o Brasil lhe rendiam uma boa comissão e a presença de José significava mais
possibilidades. Tudo na China lhe parecia muito barato e José buscava novas
oportunidades de negócio. De alfinetes a turbinas, tudo poderia significar bons
lucros. A conversa estava animada, mas sabia que a atenção de todos estava
focada no prato com as costelas de cão, que exalava o cheiro agradável do
tempero da gentil anfitriã.
Lembrou do
Totó, seu companheiro de infância. Quantas aventuras viveram juntos. Foi seu
amigo por quinze anos e até hoje sente tristeza ao pensar no fim, quando seu pai
levou o cansado animal para o sacrifício. Era como um membro da família e José,
então adolescente, chorou e sentiu muito a falta do amigo, lamentando que os
cães vivessem menos que os humanos.
Bobagem. – pensou. – Sou um adulto e não é o Totó que está neste
prato.
Tomou um
grande gole de vinho e atacou com determinação a carne que estava à sua frente.
O gosto era ótimo. Logo se esqueceu dos preconceitos e comeu todo o prato, para
alegria e satisfação de seus anfitriões, principalmente da Sra. Cheng, que já
estava preocupada com a demora do convidado em servir-se da iguaria tão
delicadamente preparada.
Foi então que
percebeu que os anfitriões não comeram da carne de cachorro. Inicialmente
pensou que estivessem aguardando a sua iniciativa, mas mesmo depois que começou
a comer ninguém tocou no prato. Apenas sorriam satisfeitos ao ver seu
entusiasmo e os sinais de aprovação.
Percebeu que
o filho menor, de uns dez anos de idade, saiu da mesa e que falou algo em
mandarim, idioma que não compreendia, pois José se comunicava com os adultos em
inglês. Pensou que ia ao banheiro, mas passou direto e se trancou no quarto. Ouviu
ao longe que o menino chorava, ao menos era o que dava para perceber de sua voz
entrecortada de soluços na conversa com a mãe, que o acompanhara. Logo a mulher
voltou, pedindo desculpa porque seu filho sentira uma forte dor de cabeça, mas
já havia tomado remédio e adormecido.
Ao se
despedir da família, José percebeu que havia uma casinha de cães no quintal,
mas não viu nenhum animal nela. Nunca soube, mas teve a impressão de que comeu
o cachorro da família Cheng naquele jantar tão agradável.