Vida em Verso e Prosa

Tenho escrito muitas coisas, algumas impublicáveis. Estas, são as mais interessantes.

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01 novembro 2013

CARNE DE CACHORRO



José olhou para o prato à sua frente. Carne de cachorro. Foi o que lhe recomendaram os amigos quando disse que iria para a China. Por isso disse ao telefone ao Sr. Cheng, seu parceiro comercial no Oriente, que gostaria de provar. A aparência não era desagradável. Se não soubesse do que se tratava, teria consumido como carne de gado ou de porco. A Sra. Cheng preparou uma mesa farta com vários tipos de saladas e carnes, de modo a impressionar o visitante. Acostumados a receber visitas ocidentais, os anfitriões sabiam muito bem como impressionar.

Em Roma, faça como os romanos. Esse era o lema que José defendia para buscar sempre o prato típico dos lugares que visitava. Isso é normal no Brasil. Comer acarajé na Bahia é quase que uma obrigação para os turistas. Pior foi comer ideia de bode em Pernambuco. É assim que chamam os miolos, o cérebro do pobre animal. Você tem que tomar uma boa cachaça antes e abstrair o pensamento para engolir a iguaria do nordeste. Lembrou-se do filme Indiana Jones, quando comiam cérebro de macaco. Na China também lhe ofereceram essa opção de refeição exótica, mas preferiu “deixar para outra oportunidade”.

Assim fazia em cada lugar que chegava. Conversava com os locais e procurava conhecer os pratos típicos da região, levando como lembrança os costumes, a história e a gastronomia de cada povo. Afinal, McDonalds existe em toda parte e não é esse o tipo de alimento que buscava. Não tem graça comer sempre a mesma coisa se há opções infindáveis produzidas por pessoas e culturas diferentes.

Começou pelas saladas, arroz e batatas que a Sra. Cheng gentilmente preparara. O Sr. Cheng mantinha seu copo cheio com o melhor vinho de sua adega. Afinal, os negócios com o Brasil lhe rendiam uma boa comissão e a presença de José significava mais possibilidades. Tudo na China lhe parecia muito barato e José buscava novas oportunidades de negócio. De alfinetes a turbinas, tudo poderia significar bons lucros. A conversa estava animada, mas sabia que a atenção de todos estava focada no prato com as costelas de cão, que exalava o cheiro agradável do tempero da gentil anfitriã.

Lembrou do Totó, seu companheiro de infância. Quantas aventuras viveram juntos. Foi seu amigo por quinze anos e até hoje sente tristeza ao pensar no fim, quando seu pai levou o cansado animal para o sacrifício. Era como um membro da família e José, então adolescente, chorou e sentiu muito a falta do amigo, lamentando que os cães vivessem menos que os humanos.

Bobagem. – pensou. – Sou um adulto e não é o Totó que está neste prato.

Tomou um grande gole de vinho e atacou com determinação a carne que estava à sua frente. O gosto era ótimo. Logo se esqueceu dos preconceitos e comeu todo o prato, para alegria e satisfação de seus anfitriões, principalmente da Sra. Cheng, que já estava preocupada com a demora do convidado em servir-se da iguaria tão delicadamente preparada.

Foi então que percebeu que os anfitriões não comeram da carne de cachorro. Inicialmente pensou que estivessem aguardando a sua iniciativa, mas mesmo depois que começou a comer ninguém tocou no prato. Apenas sorriam satisfeitos ao ver seu entusiasmo e os sinais de aprovação.

Percebeu que o filho menor, de uns dez anos de idade, saiu da mesa e que falou algo em mandarim, idioma que não compreendia, pois José se comunicava com os adultos em inglês. Pensou que ia ao banheiro, mas passou direto e se trancou no quarto. Ouviu ao longe que o menino chorava, ao menos era o que dava para perceber de sua voz entrecortada de soluços na conversa com a mãe, que o acompanhara. Logo a mulher voltou, pedindo desculpa porque seu filho sentira uma forte dor de cabeça, mas já havia tomado remédio e adormecido.


Ao se despedir da família, José percebeu que havia uma casinha de cães no quintal, mas não viu nenhum animal nela. Nunca soube, mas teve a impressão de que comeu o cachorro da família Cheng naquele jantar tão agradável.