CARNE DE CACHORRO
José olhou
para o prato à sua frente. Carne de cachorro. Foi o que lhe recomendaram os
amigos quando disse que iria para a China. Por isso disse ao telefone ao Sr.
Cheng, seu parceiro comercial no Oriente, que gostaria de provar. A aparência
não era desagradável. Se não soubesse do que se tratava, teria consumido como carne
de gado ou de porco. A Sra. Cheng preparou uma mesa farta com vários tipos de
saladas e carnes, de modo a impressionar o visitante. Acostumados a receber
visitas ocidentais, os anfitriões sabiam muito bem como impressionar.
Em Roma, faça como os romanos. Esse era
o lema que José defendia para buscar sempre o prato típico dos lugares que
visitava. Isso é normal no Brasil. Comer acarajé na Bahia é quase que uma obrigação
para os turistas. Pior foi comer ideia de
bode em Pernambuco. É assim que chamam os miolos, o cérebro do pobre
animal. Você tem que tomar uma boa cachaça antes e abstrair o pensamento para
engolir a iguaria do nordeste. Lembrou-se do filme Indiana Jones, quando comiam cérebro de macaco. Na China também lhe
ofereceram essa opção de refeição exótica, mas preferiu “deixar para outra
oportunidade”.
Assim fazia
em cada lugar que chegava. Conversava com os locais e procurava conhecer os
pratos típicos da região, levando como lembrança os costumes, a história e a
gastronomia de cada povo. Afinal, McDonalds existe em toda parte e não é esse o
tipo de alimento que buscava. Não tem graça comer sempre a mesma coisa se há
opções infindáveis produzidas por pessoas e culturas diferentes.
Começou pelas
saladas, arroz e batatas que a Sra. Cheng gentilmente preparara. O Sr. Cheng
mantinha seu copo cheio com o melhor vinho de sua adega. Afinal, os negócios
com o Brasil lhe rendiam uma boa comissão e a presença de José significava mais
possibilidades. Tudo na China lhe parecia muito barato e José buscava novas
oportunidades de negócio. De alfinetes a turbinas, tudo poderia significar bons
lucros. A conversa estava animada, mas sabia que a atenção de todos estava
focada no prato com as costelas de cão, que exalava o cheiro agradável do
tempero da gentil anfitriã.
Lembrou do
Totó, seu companheiro de infância. Quantas aventuras viveram juntos. Foi seu
amigo por quinze anos e até hoje sente tristeza ao pensar no fim, quando seu pai
levou o cansado animal para o sacrifício. Era como um membro da família e José,
então adolescente, chorou e sentiu muito a falta do amigo, lamentando que os
cães vivessem menos que os humanos.
Bobagem. – pensou. – Sou um adulto e não é o Totó que está neste
prato.
Tomou um
grande gole de vinho e atacou com determinação a carne que estava à sua frente.
O gosto era ótimo. Logo se esqueceu dos preconceitos e comeu todo o prato, para
alegria e satisfação de seus anfitriões, principalmente da Sra. Cheng, que já
estava preocupada com a demora do convidado em servir-se da iguaria tão
delicadamente preparada.
Foi então que
percebeu que os anfitriões não comeram da carne de cachorro. Inicialmente
pensou que estivessem aguardando a sua iniciativa, mas mesmo depois que começou
a comer ninguém tocou no prato. Apenas sorriam satisfeitos ao ver seu
entusiasmo e os sinais de aprovação.
Percebeu que
o filho menor, de uns dez anos de idade, saiu da mesa e que falou algo em
mandarim, idioma que não compreendia, pois José se comunicava com os adultos em
inglês. Pensou que ia ao banheiro, mas passou direto e se trancou no quarto. Ouviu
ao longe que o menino chorava, ao menos era o que dava para perceber de sua voz
entrecortada de soluços na conversa com a mãe, que o acompanhara. Logo a mulher
voltou, pedindo desculpa porque seu filho sentira uma forte dor de cabeça, mas
já havia tomado remédio e adormecido.
Ao se
despedir da família, José percebeu que havia uma casinha de cães no quintal,
mas não viu nenhum animal nela. Nunca soube, mas teve a impressão de que comeu
o cachorro da família Cheng naquele jantar tão agradável.
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