Espelhos
Veja, sou eu mesmo refletido nessa coisa. Tenho certeza, é
como quando se olha nas águas calmas do lago. Mas tem tanta nitidez, posso ver
os detalhes do meu rosto.
Como esses homens diferentes conseguem fazer uma peça tão
delicada? É um material fino, quebra com facilidade. Olha lá os outros reclamando porque quebraram.
Não vou deixar que peguem o meu. Vou esconder como um
tesouro em minha oca. Minha mulher passa o tempo se olhando nele. Ultimamente
tem arrumado a própria pintura. Já não precisa da ajuda das outras mulheres.
Por que será que trouxeram essas coisas que chamam de
espelhos? Por que usam essas vestimentas que escondem as suas coisas? Será que
têm vergonha do corpo que Tupã lhes deu?
Eles chegaram nessas canoas gigantes e falam outra língua,
ninguém compreende suas palavras. Ainda
bem que são simpáticos, trazem esses espelhos e tentam aprender a nossa língua.
Também nos ensinam o seu jeito de falar.
Os velhos se afastaram, dizem que eles vão querer alguma
coisa em troca desses espelhos. Acho que é preocupação exagerada, implicância
desses velhos. Esses homens são tão bons, só querem o nosso bem.
E o que poderiam querer deste lugar que não tem nada? Aqui só tem mato, terra, água, areia e bicho.
Tem essas pedrinhas brilhantes que a gente encontra no rio, umas são
transparentes, outras verdinhas, azuis, vermelhas. Eu gosto mais daquelas
amarelas, que brilham como o sol. São também as preferidas dos homens dos
barcos gigantes. Outro dia um deles me deu vários espelhos por uma delas.
Mas o que tem de mais? Tem tantas pedras nos rios. O que não
tem aqui é espelho. Que há de mal em trocar? Eles trazem espelhos e levam
pedrinhas. Acho que saímos ganhando nessa troca. E os bobos ficam tão contentes
com as simples pedrinhas que encontramos no rio.