Vida em Verso e Prosa
Tenho escrito muitas coisas, algumas impublicáveis. Estas, são as mais interessantes.
04 dezembro 2015
12 abril 2015
Espelhos
Veja, sou eu mesmo refletido nessa coisa. Tenho certeza, é
como quando se olha nas águas calmas do lago. Mas tem tanta nitidez, posso ver
os detalhes do meu rosto.
Como esses homens diferentes conseguem fazer uma peça tão
delicada? É um material fino, quebra com facilidade. Olha lá os outros reclamando porque quebraram.
Não vou deixar que peguem o meu. Vou esconder como um
tesouro em minha oca. Minha mulher passa o tempo se olhando nele. Ultimamente
tem arrumado a própria pintura. Já não precisa da ajuda das outras mulheres.
Por que será que trouxeram essas coisas que chamam de
espelhos? Por que usam essas vestimentas que escondem as suas coisas? Será que
têm vergonha do corpo que Tupã lhes deu?
Eles chegaram nessas canoas gigantes e falam outra língua,
ninguém compreende suas palavras. Ainda
bem que são simpáticos, trazem esses espelhos e tentam aprender a nossa língua.
Também nos ensinam o seu jeito de falar.
Os velhos se afastaram, dizem que eles vão querer alguma
coisa em troca desses espelhos. Acho que é preocupação exagerada, implicância
desses velhos. Esses homens são tão bons, só querem o nosso bem.
E o que poderiam querer deste lugar que não tem nada? Aqui só tem mato, terra, água, areia e bicho.
Tem essas pedrinhas brilhantes que a gente encontra no rio, umas são
transparentes, outras verdinhas, azuis, vermelhas. Eu gosto mais daquelas
amarelas, que brilham como o sol. São também as preferidas dos homens dos
barcos gigantes. Outro dia um deles me deu vários espelhos por uma delas.
Mas o que tem de mais? Tem tantas pedras nos rios. O que não
tem aqui é espelho. Que há de mal em trocar? Eles trazem espelhos e levam
pedrinhas. Acho que saímos ganhando nessa troca. E os bobos ficam tão contentes
com as simples pedrinhas que encontramos no rio.
25 agosto 2014
Viagem Naval
O barco partiu para uma viagem incógnita. A princípio parecia um
passeio, ir ali e logo voltar. Mas o tempo foi passando e a terra sumindo de
vista. Incrível a sensação de abandono quando não se vê a costa. O homem é um
animal terrestre e precisa de chão para manter a referência. As pessoas se
matam para garantir um espaço sobre a terra, seja qual for o seu tamanho.
Tamanho da terra ou tamanho da pessoa. E o mar nos tira essa perspectiva. Seja
grande ou pequeno, um navio não passa de um meio de transporte. Pode-se
embarcar num transatlântico para um cruzeiro, nunca alguém poderá sentir-se em
casa. Acho que nem os marinheiros têm essa sensação de lar. Talvez aqueles que
vivem nas casas-barcos de Amsterdã sintam algo assim, mas devem mesmo é pensar
que precisam de um lugar firme para morar. O que pode sentir alguém que vive ao
sabor da maré? Claro que, figurativamente, todos vivemos ao sabor da maré, mas
isso é só uma metáfora para se referir à incerteza da vida. Todos buscamos
segurança, todos buscamos fixar nossa morada sobre a rocha. Outra metáfora.
Quanto mais o barco se afastava, mais a sensação de vazio se
revelava, causando revoluções nos pensamentos e no estômago. Enjoo e vômito até
parecer que a flora estomacal toda havia já saído pela boca. Flora... Outra
referência a solo. Jardins, flores, plantas... Do convés nada se vê. Você fica
horas ali esperando ver um golfinho, uma baleia, um peixe-espada e nada. Onde
estão aqueles bichos que a gente vê nos filmes? Nenhum maldito veio presenciar
a minha estúpida convulsão gástrica. Não estão nem aí para mim. Devem estar lá
no fundo, festejando a alegria de não precisar respirar o oxigênio impuro que
compartilhamos nas grandes cidades. Por que viriam à tona? Para ver minha cara
pálida? Eu também não viria se fosse um peixe. Ficaria bem longe dos homens e
seus anzóis. Que mundo fantástico deve existir nas profundezas. Que diversidade
de espécies, todas flutuando e convivendo harmonicamente. É um mundo em três
dimensões, ao contrário de nosso mundo terrestre, onde vivemos grudados ao
solo. Lá apenas as plantas e corais estão ao rés do chão. Os outros seres vivos
voam até onde a água alcança. Que bom seria se tivéssemos essa capacidade
tridimensional de ocupar todos os espaços entre a terra e o céu. Pena que
nossas limitações nos mantêm no chão, restritos pela incapacidade de voar sem
máquinas. Mesmo elas precisam evoluir muito ainda. No mar é diferente, cada ser
tem seu próprio sistema de navegação e a gravidade não os prende.
A noite chegou e nada de terra à vista. A noite torna a cena mais
assustadora. O ronco dos motores se potencializa em nossos ouvidos. Sentimos
até mesmo a sua vibração. Depois que passa a maresia e nosso cerebelo assimila
o balanço, passamos a prestar atenção em outras coisas. Mas a cena continua a
inspirar pânico. A abóbada celeste que durante o dia revelava a imensidão do
planeta agora revela a insignificância dele no universo. Longe da costa se pode
ver as estrelas e o rastro da via láctea. As constelações desnudam minha
completa ignorância em astrologia. Tirando o Cruzeiro do Sul e as Três Marias
não consigo identificar nenhuma outra. Como os antigos conseguiam ver
centauros, leões, caranguejos, aquários e peixes? Eu vejo é nada. Só consigo
pensar no nada que somos, um dos menores planetas de um dos menores sistemas
solares de uma pequena galáxia num canto do universo. E tem gente que se acha
alguma coisa.
Falei dos motores. É assustador pensar em nossa dependência deles.
Se pararem de funcionar não passaremos de um ponto no oceano. Até a iluminação,
a água, a comida, o gelo dependem dos geradores funcionando. Se pararem, em
poucas horas não teremos nem os rádios para pedir socorro. Dizem que os navios
de guerra são providos de energia nuclear que não se esgota, ou que leva
centenas de anos para acabar. Que bom se tivéssemos um gerador desses. Que
ridícula essa ignorância de embarcar numa viagem sem saber o destino ou a
duração. Eu quero sair daqui, alguém me arranje um helicóptero.
A manhã chegou mas o sol não veio. Pode haver algo mais ameaçador
que uma nuvem negra no horizonte? Pode. A tempestade confirmada. O navio
balançando e as ondas gigantes brincando com ele como se fosse de papel. Os
alto-falantes alertando para que ninguém fique no convés. O uso obrigatório dos
coletes salvavidas. E não adianta chamar por minha mãe porque tem dezenas de
velhinhas como ela se agarrando e rezando, jurando nunca mais se aproximar de
um cais. Como são frágeis os problemas que eu pensava grandes. Ninguém, nem o
marujo mais experiente se sente seguro numa tempestade marítima. Nenhum ser
humano pode dizer que haverá um depois. Aqueles que tem fé aproveitam para
encomendar suas almas. Os que não tem... Nunca parei para pensar o que passa
por suas cabeças. O fato é que todos enxergam o fim de seus dias numa situação
como essa.
Enfim, a bonança. Tudo parece lindo, a vida é bela. Sentimo-nos como
os marinheiros mais experientes dos sete mares. A viagem termina e postamos as
fotos nas redes sociais. Recomendamos a aventura. As adversidades nos serviram
de tempero para justificar o afastamento da rotina. Quem sabe da próxima vez
optemos por outro meio de transporte, outro destino. Já dizia uma canção:
"viajar é preciso, viver não é preciso."
Assim é a vida. Partimos sem saber o destino, sentimos medo, ficamos
doentes, queremos fugir. Dependemos de pessoas e de "motores", somos
reféns das intempéries. Ficamos experientes sem saber que continuamos
absolutamente dependentes de fatores sobre os quais não temos qualquer domínio.
03 agosto 2014
28 junho 2014
O Teatro do Bem e do Mal
Bons e maus, maus e bons: os atores trocam de máscaras, os heróis passam a ser monstros e os monstros, heróis, segundo exigem os que escrevem o drama.
(Eduardo Galeano)
(Eduardo Galeano)
04 abril 2014
Enfrentar os Problemas
30 - 47 - 53 - 38 - 20 - 36
Esses números mudaram a vida de quatro pessoas, que levaram o prêmio de R$ 224 milhões da loteria (56 a cada) na virada do ano 2013 para 2014. Certamente essas quatro pessoas passarão o ano sem problemas de entrada de recursos, mas com muitos novos a resolver. Doces situações, claro, como decidir em que investir, para onde viajar, o que comprar, quem ajudar, mas também situações preocupantes, nada agradáveis, como proteger-se de roubos, sequestros, falsos amigos, abordagem de parentes gananciosos, e por aí afora.
Os exemplos negativos acima servem para demonstrar que até os muito ricos podem se deparar com situações estressantes, dependendo do ângulo pelo qual se analise suas vidas. O mesmo se aplica a mim e a você, que não ganhamos esse dinheiro todo de uma só vez. Os problemas requerem maior ou menor atenção, mas não devem minar nossas energias a ponto de impedir que nos dediquemos à solução.
Às vezes travamos diante de um problema. Evitamos falar nele e até tentamos agir como se não existisse. Mas existe e dificilmente será resolvido com a negação. Temos que enfrentá-lo com a lucidez de que a solução somente será alcançada com trabalho e dedicação a esse problema. Mesmo que essa solução não seja a esperada, é importante que a decisão decorra de uma análise profunda e séria.
É como no exemplo de um projeto que, depois de certo investimento de tempo e dinheiro, concluímos que a melhor solução é interromper.
Ninguém gosta de deixar uma obra inacabada, mas às vezes a decisão de continuar é pura teimosia, para não dizer burrice. Claro que há exemplos de vitória da persistência e abnegação que mostram que todos estavam errados, mas aqui tratamos da saúde mental, de não permitir que um único problema drene toda nossa energia. Nem por isso deixamos de louvar os obstinados, desde que a decisão seja fruto de profunda reflexão, ainda que a visão de sucesso seja exclusiva e contrarie o senso comum, mas que não se confunda com teimosia irrefletida, própria dos tolos.
Mas a regra geral é evitar fugir dos problemas e trabalhar para a solução mais racional. Um grande amigo meu costuma dizer que um final terrível é melhor que um terror sem fim. Concordo. Por pior que possa ser a solução, ela nos liberta da continuidade, da culpa, do medo. Permite que possamos seguir nossas novas vidas.